Pedro Texeira – MG, sábado, 7 de maio de 2011. Pedro Teixeira é a terra natal da família da minha mãe. Cidade pequena onde ficaram muitas das recordações dos membros da família da minha avó materna. Voltar a cidade é, para muitos de nós, um retorno as raízes, algo nostálgico, como se lá fosse o paraíso perdido quando se foi para o mundo tentar a sorte de uma vida melhor. É uma visão romântica que ameniza o fato de que lá se tinha muito pouco, mas muita vontade de viver dignamente. Procuro sempre ir a cidade para ter conta da história da minha família, de toda trajetória que enfrentaram minha mãe e meus tios, um fantástico manancial de lições entremeados em muitas boas prosas com aqueles que lá ficaram.
Desta vez voltei a cidade para enterrar o Tio Manoel, tio Neca, 86 anos, um dos irmãos da minha avó, Maria Júlia. Saí do Rio de Janeiro apressado, as 12:30, querendo atender ao funeral e para solidarizar-me com os primos. Um forte sentimento impelia-me para fazer a viagem, que competia com a confirmação do batismo que atencedia a primeira comunhão da minha filha. Eu sentia que não podia faltar. Durante o percurso, passando por Juiz de Fora, decidi não parar para almoçar porque não queria atrasar e porque, no fundo, queria comer o arroz e feijão de lá, saboreando a comida e a presença de meus primos. Embora fosse um dia diferente, sabia que não teria comida na casa do tio Neca e pensei na casa do Paulinho e da Gracinha, primos que sempre me tratam bem quando estou lá. Assumi que iria parar lá e pedir um prato de comida.
Estava há uns 40 quilômetros de Pedro Teixeira quando, ao passar por um ponto de ônibus a beira da rodovia, notei de relance a figura familiar de uma mulher. Não reconheci de início, mas dei a ré no carro, e voltei para conferir. No ponto, surpreendentemente, estava Gracinha, em quem havia pensado há pouco. Estava vindo, em uma cansativa baldeação, de Rio Pomba para o enterro do tio Neca. Ao me reconhecer, sorriu generosamente e disse: foi Deus quem te enviou! Assim que entrou, após cumprimentos, falou: “estou cansada, com fome, mas não há nada melhor que o arroz e feijão da nossa casa. Essa comida da rua não vale a pena”. E me convidou para almoçar na casa dela. Continuando, já comentando a perda do tio, sua fala lembrava que somos todos instrumentos de Deus, que não somos nada demais nessa vida, que nela entramos, e dela saímos. Chegamos a poucos minutos do enterro. Em sua casa tive o almoço que imaginei: simples e servido com carinho. Extraí dessa viagem a Pedro Teixeira outro sabor que não o de uma perda.
Durante a missa de corpo presente, uma música, entre outras, dizia:
"Sabes, Senhor, o que temos é tão pouco pra dar. Mas este pouco nós queremos com os irmãos compartilhar. /Queremos nesta hora, diante dos irmãos, comprometer a vida, buscando a união. /Sabemos que é difícil, os bens compartilhar, mas com a Tua graça, Senhor podemos dar. /Olhando Teu exemplo, Senhor vamos seguir, fazendo o bem a todos, sem nada exigir".
Aquela música celebrava a vida. Nós celebrávamos naquele dia as exéquias de um homem que foi instrumento da paz e da generosidade. Prova disso é que lá estavam os doutos e os ignaros, os de posse e os sem posse; as mais diferentes condições e matizes de vida social, cultural e econômica manifestavam-se na igreja e no cemitério de Pedro Teixeira. A roça, que tão pouco conhecemos hoje, saiu para o centro da cidade e mostrou a sua cara simples, chorando a perda de um homem que materializou em sua vida a fé, paz, generosidade e simplicidade cuja falta tanto reclamamos atualmente. Pessoas dos cafundós de Pedro Teixeira e adjacências estavam lá. Em cada roda de pessoas, histórias que certificavam os feitos do Tio Neca e da sua esposa, tia Nair, já falecida. As pessoas contavam, a seu jeito e tempo, como aquele homem e sua família foram importantes para a vida delas; como, naquela vida difícil e empobrecida da roça, a ajuda deles amenizou parte das dores e desolação a que estão condenados os que vivem na roça.
No cemitério, após o enterro, conversando com primos, uma senhora se aproxima e pergunta quem eu era. Ela, moradora de lá, via que eu não era familiar. Fui apresentado como filho da Tininha, sobrinha do Tio Neca. Ao saber disso, a senhora pediu um abraço e abraçou-me forte. Emocionada, disse que minha mãe fora a melhor amiga dela enquanto jovens. Olhando em meus olhos, disse-me que experimentava naquele momento um pouco de felicidade, e completou: abraçando você eu abracei a sua mãe. Minha mãe faleceu há 30 anos, e com aquele abraço ela celebrava os momentos de amizade que tiveram há 45 anos ou mais. E que hoje só podem ser alcançados pela lembrança, pelos momentos, faces ou palavras que dão carona, em direção ao presente, para as imagens e sensações dos momentos em que fomos mais felizes. No fundo, eu sentia que minha mãe também nos abraçava naquele instante.
Desta vez voltei a cidade para enterrar o Tio Manoel, tio Neca, 86 anos, um dos irmãos da minha avó, Maria Júlia. Saí do Rio de Janeiro apressado, as 12:30, querendo atender ao funeral e para solidarizar-me com os primos. Um forte sentimento impelia-me para fazer a viagem, que competia com a confirmação do batismo que atencedia a primeira comunhão da minha filha. Eu sentia que não podia faltar. Durante o percurso, passando por Juiz de Fora, decidi não parar para almoçar porque não queria atrasar e porque, no fundo, queria comer o arroz e feijão de lá, saboreando a comida e a presença de meus primos. Embora fosse um dia diferente, sabia que não teria comida na casa do tio Neca e pensei na casa do Paulinho e da Gracinha, primos que sempre me tratam bem quando estou lá. Assumi que iria parar lá e pedir um prato de comida.
Estava há uns 40 quilômetros de Pedro Teixeira quando, ao passar por um ponto de ônibus a beira da rodovia, notei de relance a figura familiar de uma mulher. Não reconheci de início, mas dei a ré no carro, e voltei para conferir. No ponto, surpreendentemente, estava Gracinha, em quem havia pensado há pouco. Estava vindo, em uma cansativa baldeação, de Rio Pomba para o enterro do tio Neca. Ao me reconhecer, sorriu generosamente e disse: foi Deus quem te enviou! Assim que entrou, após cumprimentos, falou: “estou cansada, com fome, mas não há nada melhor que o arroz e feijão da nossa casa. Essa comida da rua não vale a pena”. E me convidou para almoçar na casa dela. Continuando, já comentando a perda do tio, sua fala lembrava que somos todos instrumentos de Deus, que não somos nada demais nessa vida, que nela entramos, e dela saímos. Chegamos a poucos minutos do enterro. Em sua casa tive o almoço que imaginei: simples e servido com carinho. Extraí dessa viagem a Pedro Teixeira outro sabor que não o de uma perda.
Durante a missa de corpo presente, uma música, entre outras, dizia:
"Sabes, Senhor, o que temos é tão pouco pra dar. Mas este pouco nós queremos com os irmãos compartilhar. /Queremos nesta hora, diante dos irmãos, comprometer a vida, buscando a união. /Sabemos que é difícil, os bens compartilhar, mas com a Tua graça, Senhor podemos dar. /Olhando Teu exemplo, Senhor vamos seguir, fazendo o bem a todos, sem nada exigir".
Aquela música celebrava a vida. Nós celebrávamos naquele dia as exéquias de um homem que foi instrumento da paz e da generosidade. Prova disso é que lá estavam os doutos e os ignaros, os de posse e os sem posse; as mais diferentes condições e matizes de vida social, cultural e econômica manifestavam-se na igreja e no cemitério de Pedro Teixeira. A roça, que tão pouco conhecemos hoje, saiu para o centro da cidade e mostrou a sua cara simples, chorando a perda de um homem que materializou em sua vida a fé, paz, generosidade e simplicidade cuja falta tanto reclamamos atualmente. Pessoas dos cafundós de Pedro Teixeira e adjacências estavam lá. Em cada roda de pessoas, histórias que certificavam os feitos do Tio Neca e da sua esposa, tia Nair, já falecida. As pessoas contavam, a seu jeito e tempo, como aquele homem e sua família foram importantes para a vida delas; como, naquela vida difícil e empobrecida da roça, a ajuda deles amenizou parte das dores e desolação a que estão condenados os que vivem na roça.
No cemitério, após o enterro, conversando com primos, uma senhora se aproxima e pergunta quem eu era. Ela, moradora de lá, via que eu não era familiar. Fui apresentado como filho da Tininha, sobrinha do Tio Neca. Ao saber disso, a senhora pediu um abraço e abraçou-me forte. Emocionada, disse que minha mãe fora a melhor amiga dela enquanto jovens. Olhando em meus olhos, disse-me que experimentava naquele momento um pouco de felicidade, e completou: abraçando você eu abracei a sua mãe. Minha mãe faleceu há 30 anos, e com aquele abraço ela celebrava os momentos de amizade que tiveram há 45 anos ou mais. E que hoje só podem ser alcançados pela lembrança, pelos momentos, faces ou palavras que dão carona, em direção ao presente, para as imagens e sensações dos momentos em que fomos mais felizes. No fundo, eu sentia que minha mãe também nos abraçava naquele instante.