sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A melhor escola do mundo

Muriaé, 13 de agosto de 2015. No dia 12, decidi começar por Muriaé o que chamei de ‘Necessário retorno às origens da minha origem’, que consistia basicamente em visitas às cidades onde meus pais nasceram, Muriaé e Pedro Teixeira. Nessas viagens, além de visitar meus primos e amigos, solicito que falem da vida que meus pais e demais familiares tiveram, do que faziam e de como eram na infância e na juventude; procuro obter informação para ler e entender fatos e contextos que explicam as trajetórias que meus familiares construíram em vida. Trajetórias que, com raras exceções, são dignas de leituras bem detalhadas para obter boas aprendizagens sobre como lidar com a vida e seus desafios. 

A vida deles não foi fácil e ela foi a escola que tiveram, ao contrário de nós, segunda e terceira gerações, que tiveram e têm acesso às melhores escolas do sistema educacional. Não conheci meus avôs paternos e tive pouco contato com minhas avós maternas. Meus familiares não deixaram documentos, não registravam suas façanhas, todo esse patrimônio histórico familiar, tudo o que se sabe está no depoimento e na memória de algumas pessoas que estão envelhecidas, lutando contra o pouco apreço do tempo para com as palavras sem registros. Toda prosa que traz a vida dessas pessoas à mesa, que conta suas aventuras e desventuras, é para mim o tempero especial de um delicioso banquete.

Outra coisa que gosto de fazer em Muriaé e em Pedro Teixeira é andar pelas ruas para apreciar as transformações nas construções e nos hábitos dos moradores. A privilegiada condição de observador, ainda que suspeitíssima nos dias atuais, permite acessar situações repletas da rica substância oriunda da mistura de ambiguidades, tensões, contradições, esperanças, apostas e temores experimentados pelas pessoas quando lidam com contextos de mudanças – as que promovem e das quais são apenas meros expectadores. Essas cidades, ainda que em ritmos bem diferentes, estão mudando. Ando bem devagar por elas, registro o que vejo e sigo comparando com os registros anteriores, formando um quadro particular e bastante subjetivo de análise e avaliação dessas mudanças.

Hoje, aproveitando carona do primo Fábio Gonçalves, comecei a andança pela praça João Pinheiro. Gosto de olhar para as construções antigas que ainda sobrevivem e ficar imaginando onde o trem passava e como era a rotina da cidade atualmente adoecida pela quantidade de carro transitando. Também andei pelo comércio em busca de promoções, de produtos que, ainda que fora da moda, atendem perfeitamente às minhas necessidades atemporais.

Decidido a fazer logo as visitas aos parentes, saí da praça, peguei a rua Arthur Bernardes e fui seguindo em direção à Barra, bairro onde moram alguns parentes. Dei uma parada quase que obrigatória para ver os colégios Santa Marcelina e São Paulo. Gerações de Murieenses se formaram nesses colégios, entre eles muitos primos. Uma lembrança que tenho das minhas idas à Muriaé era o cuidado que minhas tias tinham com o ano escolar dos seus filhos. O ritual mexia demais comigo, pois da compra do material escolar e a preparação dos uniformes, passando pelo encapar os cadernos e livros, tudo era feito com muito calor, capricho, envolvimento, coisa com a qual não pude mais contar com a partida de minha mãe.

Quando passava em frente à praça da antiga prefeitura, parei para apreciar a construção. Rapidamente me dei conta de que estava de costas para o belo prédio da biblioteca da cidade. “Preciso visitar uns livros”. Ironicamente, no início da semana, pensei em criar uma campanha de incentivo à leitura nas redes sociais e cujo tema era ‘Visite um livro’ e realizado que eu próprio não tenho destinado às obras e aos seus criadores o tempo e atenção que merecem. Mais irônico ainda era ser aquela importante biblioteca uma ilustre desconhecida para mim. Para marcar ainda mais o momento, nos primeiros passos dei de cara com uma exposição sobre Pedro Nava. Há pouco tempo, conversando sobre meu desejo de ser escritor e lamentar a idade que tenho, Césas Froes, colega de trabalho, me lembrou sobre Pedro Nava e falou que não há idade certa para transformar inquietude e estranhamento em literatura. Pedro Nava é outro ilustre desconhecido para mim e, conforme lia os cartazes, realizava que o tanto que desconheço dele revela apenas pequenos detalhes do tamanho do meu desconhecimento e ignorância em relação à literatura brasileira.

Ao sair da biblioteca, me deparei com um livro para registrar presenças. Preparava o registro da minha presença e me deparei com uma situação que está entre as mais marcantes da minha breve existência. A pessoa que assinou antes de mim deu uma demonstração sábia, simples e ao mesmo tempo forte do valor dessa que é a melhor escola do mundo: a vida. Em uma coluna que praticamente obriga ao assinante dizer a escola a que pertence, ele escreveu ‘VIDA’. Lamentável a gerência da biblioteca ter a necessidade de colocar uma coluna chamada ‘Escola’, não dando chance ao visitante que não é estudante de poder registrar mais sobre ele, a razão da presença e a qualidade da experiência que ali teve. É um livro que foca nos estudantes do sistema formal, cobrando que informem o nome da escola que frequentam, como se só eles fossem lá, como se ali fosse exclusividade desse tipo de aprendiz; não é um livro que se abre para registrar a presença e experiência de todos aprendizes que ali visitam. 



Esta pessoa, que assina Hélio M F, 55 anos, deu, e com muita elegância, uma resposta à esdruxula sensação vivida pelo visitante que não é estudante ou não estudou, mas que é aprendiz, ou que, sendo de fora da cidade, não vê sentido em colocar o nome da escola onde tenha estudado. Na coluna escola, Hélio M F colocou um retumbante ‘VIDA’, a escola onde certamente se formou e da qual não tem vergonha alguma para demonstrar o pertencimento. Falei com o atendente se ele tinha visto aquela obra de arte e logo fui informado de que Hélio sempre faz aquilo. Infelizmente, apesar de conhecida a situação, a gerência da biblioteca não faz nada. Ele registrou que o motivo era leitura. Eu, atônito, registrei curiosidade, quando deveria ter colocado ‘aprender’. 

Não sei se Hélio faz aquilo para provocar ou reclamar de fato. Entretanto, como a gerência da biblioteca não aprimora a maneira como registra frequentadores e suas metas, não faz um retorno necessário às origens de sua origem, Hélio insiste em lembrar que os alunos da Escola da VIDA, independentemente de suas origens, também visitam os livros.