tag:blogger.com,1999:blog-49372717556730633602024-03-24T00:10:02.868-07:00Códigos do ViverO blog "Códigos do Viver" reúne interpretações sobre o viver. O fenômeno do viver se manifesta de várias maneiras, umas muito óbvias, outras nem tanto. Mas está sempre codificado. Viver é algo simples, ao mesmo tempo tão surpreendente, que já disseram que é preciso saber viver. Embora também já tenham vaticinado que navegar é preciso, viver não. Enfim, são leituras sobre o que significa o dar-se conta do início, meio e fim dessa passagem pelo “tempo-espaço-mundo” que ganhamos ao nascer.Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.comBlogger50125tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-72835755792569521902023-07-26T10:40:00.008-07:002023-07-26T12:15:33.119-07:00Outros caminhos...outras palavras<p> Em 13 de julho de 2023, fiz um apelo em rede social em uma mensagem insuspeita de comunicar um mal momento que estava passando. Felizmente, não era grave, mas algo diferente acontecia e com o poder de afetar negativamente minha potência de viver. Na mensagem eu dizia: "<i>Gente, mande razões para eu tomar um chopp gostoso e celebrar vocês, por favor. Beberei hoje a nossa amizade. É um feito ou ideia ou bem-estar seu, alegria ativa, nada de alegria passiva, time que venceu etc</i>.". Até às 14:00, quando finalmente captei a senha do viver implícita na situação em que me via, eu me desgastei bastante nas palavras e caminhos conhecidos, desconsiderando como podem ser oportunos outros caminhos e outras palavras.</p>Eu estava mal da coisa que comumente chamamos de psíquico ou alma e numa intensidade que me surpreendeu. Conheço esse mal, mas era o novo pra mim ou em mim que me deixava praticamente parado, embora não prostrado, desatento e desconcentrado. Estava fraco, sem sopro de vida, não me concentrava em nenhuma das inúmeras coisas que tinha para fazer, das obrigações profissionais ao exercício da criação literária, passando pelas rotinas que estruturam a vida. Conforme o tempo passava, eu nada fazia, mais me angustiava, mais desse mal eu sentia, até o momento em que parei de andar sem rumo pela casa e me deitei.<br /><br />Curiosamente, eu não estava ansioso. Comecei o dia bem, tomei um bom café e me certifiquei do que programara na noite anterior fazer na rua antes de dar conta dos afazeres profissionais e, se sobrasse tempo, escrever. No caminho entre Nova Iguaçu e Seropédica, entretanto, comecei a sentir que algo não ia bem: cansaço, apesar de ter dormido bem e não ter pedalado ou caminhado antes; uma insistência dos olhares e pensamentos para a ocupação desordenada que se dá em Queimados, à beira da Dutra, algo que, se nada for feito, virará problema sérios nos anos seguintes; e dificuldade imensa de concentrar-me no que me dá mais prazer, a criação. Nenhuma ideia atraente ou surpreendente emergia. Comecei a questionar o que havia comigo e segui os caminhos conhecidos. Logo realizei que aquele trecho da estrada fora um mal encontro, o primeiro do dia, aliás. Um encontro que, infelizmente, se repete duas ou três vezes por semana e, como sou obsessivo, ainda não aprendi a dele me abstrair ou me desligar.<br /><br />Sabedor da consequência dos bons e maus encontros sobre nossa potência de viver e de que não temos controle absoluto sobre sua ocorrência, cometi o equívoco de não acessar e acolher as sensações e sentimentos que emergiam e naturalizar o que me dizia meu organismo (sim, mente e corpo, tudo junto e misturado). Mesmo sabendo que era inseguro, escolhi buscar fora de mim o alívio: peguei o celular e liguei para pessoas que são caras para mim e que poderiam me proporcionar um bom encontro. Não tive sucesso, embora tenha conseguido falar com Allan, um grande amigo. Sem nos vermos há um bom tempo, conversamos alguns minutos, mas nada muito alvissareiro, aliás, algo difícil no Brasil, no Rio de Janeiro, e, principalmente, na UFRRJ, em Seropédica e em Paracambi, onde ele reside. Embora intuísse que precisava mudar a rota da conversa que geralmente temos e a qual muito aprecio, não consegui. Porque estava preocupado com a escolha imprudente que fizera, a atenção redobrada no trânsito não deu condições para acessar a demanda que jazia no plano intuitivo e que me levaria a falar com ele sobre o que sentia.<br /><br />Em Seropédica, a natural aleatoriedade da vida na produção dos encontro somou-se aos pensamentos que traziam coisas significativas para a pauta do agora e a demanda pelo entendimento do que me ocorria ficou novamente latente. As conversas que tive não foram boas e eu não conseguia entregar coisas boas para as pessoas, meu ânimo já estava alterado. Entre uma fala e outra, lembrei-me de que no dia seguinte minha mãe e Maninho, ex-sogro e de quem muito gostava, fariam aniversário. Daí em diante entrei na rota da reflexão sobre a vida: minha mãe morrera há quarenta e um anos e dela conseguia acessar apenas uma ou outra memória; algo ficara bloqueado, não lembrava do seu rosto, de como era sua voz e de falas nossas; pensava em como como que eu conseguira passar pela vida sem ela e quais consequências aquilo gerara; Maninho – uma recente, rápida e misteriosa perda – fizera e falara coisas muito significativas para mim nos anos que convivemos, coisas que abriram um novo momento em minha vida como professor, principalmente; lembrei da nossa última fala, em 16 de junho, quando ao telefone perguntei como estava e ele me respondeu: "Tô bem não, Mestre, a coisa não tá boa pro meu lado, estou fuzilado; três dias depois ele morreu".<br /><br />Sem dar conta do que planejara para resolver na rua, fui direto para casa. O reencontro com os cães, sempre um momento diferenciado, não foi tão bom, eles estavam apáticos, não fizeram a tradicional festa. Como estava estranho, não insisti nas brincadeiras. Logo realizei que era resultado das aflições vividas na noite anterior por causa dos fogos após os jogos. Assim que sentei-me para trabalhar, eles dormiram perto de mim, não demandaram afeto ou toque, apenas proximidade. Quando Rosangela chegou, ela não estava bem, fora trabalhar no sufoco, no dia anterior tivera dor de garganta e febre. Apesar de eu ter dito para ir pra casa, preferiu ficar e cuidar do básico que deixa minha vida segura e confortável. Ela também não dispunha do animo e potência que geralmente a movem e fazem com que interaja bastante comigo, sinta o quanto estou bem ou mal e se desdobre em gestos e palavras para me deixar bem. Bastante sintomático do dia, ela não fez a tradicional provocação: "quais são as novidades? Quero as novidades!"<br /><br />Rosangela percebeu que eu não estava bem, tentou por atalho tocar no tema, mas ela própria não foi muito fundo. Eu sabia o que ela falaria e queria falar do surpreendente que sentia, mas não vingou nossa interação. Deu-se então um momento de preciosa iluminação: como falar para ela que não estou bem, tendo eu uma vida material e profissional muito boa? Mesmo sendo ela a pessoa que mais sabe de mim, pensei no sacrifício que fazia e no que pensaria se ouvisse de mim naqueles instantes que estava angustiado, que não conseguia fazer as coisas e não entendia por que sentia aquilo. <div><br /></div><div>Cedi a um escrúpulo me visita todas as vez que compartilho com ela meus estranhamentos com a vida, minha inquietude e constante desejo de mudanças. Um escrúpulo que é quase regra: em situações onde as diferenças entre as vidas que se tem são gritantes, sinto-me mal quando digo que algo não está bem comigo; a discrepância das realidades econômicas e materiais entre mim e o outro ganha uma legitimidade absurda e deslegitima qualquer relato sobre mal-estar psíquico ou da alma; então fico me avaliando como preciosista ou o que chora de barriga cheia. O sono chegou e cedi à sua força.<br /><br />O dia estava quente – outro fator que objetivamente afeta a qualidade de um dia meu – e o sono não prosperou. Um banho gelado promoveu algumas mudanças na dinâmica em que me encontrava, inclusive me despertou a vontade de beber à noite, um claro movimento de desligamento e não de enfrentamento do problema. Mais esperto e revigorado, lembrei-me da necessidade de enfrentamento e que poderia manter contato com a terapeuta. Optei por buscar sozinho uma compreensão do que acontecia e um bom encaminhamento sobre como lidar com isso sem preciosa ajuda que a ela recorreria, se piorasse.<br /><br />Após o almoço, enquanto vasculhava rede social, vi uma postagem sobre os hormônios da felicidade e me concentrei na informação de que comemorar as coisas ajuda na liberação deles, e isso mudou toda dinâmica. Em seguida à leitura, lembrei-me de que um amigo não estava numa fase muito boa e ainda não tinha perguntando como ele estava naquele dia. Ato contínuo, enviei uma pequena e informal mensagem, sem cumprimentos: "mande as razões para eu tomar um chopp gostoso hoje, por favor". Embora fragilizado, suas palavras me alertaram para a necessidade de acessar outras palavras: "Consegui sair de casa! Fiz algumas coisas, mas agora só quero dormir". </div><div><br /></div><div>A luta dele é mais complexa que a minha e sua resposta me alegrou. A troca de mensagem funcionou como senha para desbloquear ideias que, se não levaram à compreensão e elaboração do que sentia, responderam pela melhoria do dia. Claro ficou pra mim que, se tivesse conseguido falar para alguém do que sentia, certamente haveria pouca reação, pois muitas pessoas já confessaram ver em mim alguém que não tem problemas – que loucura isso – ou que, se os tem, não deva ser nada demais. Nesta luta diária pela sobrevivência, e considerando as enormes discrepâncias sociais e econômicas observadas, praticamente criamos um protocolo informal de que pessoas remediadas não têm tantas necessidades afetivas não atendidas e, portanto, não precisam reparação ou reparentalização, principalmente fora das salas dos psicólogos e/ou psicanalistas. Foi então que resolvi aumentar minha potência de viver acessando outro caminho e outras palavras.<br /><br />As razões que as pessoas me mandaram para celebrar realizações ou feitos delas foram marcantes:<br /><ul><li>Você é um dos grandes responsáveis por estar no mestrado.</li><li>Quitei um financiamento.</li><li>Domingo tenho dois espetáculos maravilhosos!!!!</li><li>Minha vida profissional está maravilhosa, tendendo a melhorar.</li><li>Voltei a tocar violão e a cantar...e todas as noites eu danço, por gratidão, por ter me libertado de um relacionamento tóxico.</li><li>Estou voltando a ter uma vida “normal” depois de 10 meses doente em casa.</li><li>A amizade já é um feito para ser celebrada, não acha?</li><li>Poder estar aqui escrevendo e estar preparando encontro de amigos no próximo domingo (grande parte de ruralinos).</li><li>Comemore nossa amizade, dos tempos em que nossa realidade hoje eram nossos sonhos compartilhados enquanto alunos, professores no ICHS e no UBM. comemore, meu amigo querido, nossa luta foi dura.</li><li>Vamos brindar nossa existência.</li></ul>Cumpri a promessa, tomei um chopp e celebrei a experiência única e transformadora do nosso viver que temos ao acessar outros caminhos e outras palavras. Não foi uma apropriada e efetiva elaboração do que eu sentia no dia, mas foi apaziguador e alvissareiro (re)acessar o potencial terapêutico que a experiência da alteridade pode prover.</div>Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-37682082808018752392022-04-25T07:11:00.020-07:002022-06-07T18:17:58.738-07:00Escreva sua história na velocidade que seu lápis e papel permitirem<p style="text-align: justify;"> <span style="text-align: justify;">Manhã de 22 de abril de 2022. Estava
subindo o Belvedere a caminho de Paracambi. Pedalava devagar, em marcha leve; contemplava a beleza da mata por trás do Posto de Gasolina no Belvedere e ouvia
Together, uma música relaxante*. Momentos antes eu me questionava se deveria
colocar uma marcha um pouco mais pesada e imprimir esforço condizente com quem
tem planos para pedalar grandes distâncias. Como decidi há alguns anos que após
os cinquenta eu iria fluir pela vida e fruir bem mais dela, resolvi o dilema
num oportuno pensamento: siga seu rumo e escreva sua história na velocidade que
seu lápis e papel permitirem. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">De repente uma pessoa atrás de
mim faz o som de um pigarro. Defini que era outro ciclista, não dei atenção e
esperei que ele me ultrapassasse. Novamente o pigarro e logo me dou conta de
que a pessoa está chamando minha atenção. Continuei olhando para frente, mas pensativo
sobre o porquê dela não me ultrapassar ou se, afinal, era um conhecido. Momentos
depois uma voz de criança soa no ar: “sua garrafinha d’agua está quase caindo”.
Pus a garrafa no lugar e resolvi olhar para trás e agradecer. Um menino pedalava
sorridente, duas alças pretas indicavam que estava com uma mochila em suas
costas. Agradeci, continuei pedalando, agora com mais atenção porque a pista
estava afunilando e chegávamos ao encontro com a Rodovia Presidente Dutra, um
lugar muito perigoso e sem muito espaço entre a pista de acesso e a defensa metálica. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Quando acessávamos a entrada do
posto do Belvedere, o menino começou a me ultrapassar e sorridente disse: “passei
você e com o pneu furado, hein!” Além de bem humorado, o danado era competitivo, me chamava para uma disputa. Fingi que competi, mas desde o início compreendi que estávamos juntos e que ele era o vencedor do dia. Ele me ultrapassou fazendo muito esforço com
sua velha bicicleta e o pneu da frente estava realmente furado. Perguntei onde ia e ele respondeu que iria vender cocada na porta da pastelaria, que estava
atrasado. Perguntei nome e idade, e Júlio, sempre sorridente, respondeu que
tinha 12 anos. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Perto da pastelaria ele parou,
tirou a mochila das costas, abriu e a mostrou para mim, que parei a alguns metros dele. A
cena era marcante: encostado na velha bicicleta com pneu furado e com a mochila
à mão, o bravo menino de 12 anos contempla sorridente o homem de 51 anos,
devidamente paramentado (roupa, capacete etc.), ofegante, sem sorrir, segurando
entre suas pernas o quadro da moderna bicicleta, bebendo água na garrafinha e
em sua caixinha de som continua tocando a música together. <o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Júlio deixou a bicicleta e começou
a ocupar o posto de trabalho. Logo me dei conta de que estava sem dinheiro e
não tinha como ajudar o bravo e simpático menino. Despedi-me dele chamando-o de
Júlio das Cocadas e desejando boas vendas. Parei depois da pastelaria para
pensar em tudo o que tornava a situação inusitada e marcante. Primeiro, estava eu
aproveitando a vida, acreditava estar sozinho, curiosamente ouvia uma música
chamada together, mas silenciosamente e a caminho do trabalho me fazia
companhia na subida do morro um menino de 12 anos, que só se anunciou quando
viu que minha garrafa d’agua estava caindo. Segundo, lembrei imediatamente de
quando tinha a mesma idade dele e ganhei uma velha bicicleta de meu pai: à
época eu reclamei dela não ser nova, como a dos colegas, embora fosse toda cromada. Por fim, minha sorte foi diferente da de Júlio, pois, mesmo que tenha
andado várias vezes com o pneu furado, a velha bicicleta cromada me servia
para curtir a vida, não para trabalhar. Ainda mais importante: quando usava a velha cromada para ir à escola, era ‘lápis
e papel’ que eu levava, não cocadas. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Quando montei na bicicleta e
continuei as pedaladas, ouvi a voz de Júlio perguntando para onde eu iria e me
desejando boa viagem. Ele ia em direção ao bebedouro do posto de gasolina. Respondi que ia para Paracambi e perguntei onde ele morava.
Humoradamente, expondo toda meninice dos seus 12 anos, disse que morava no São
Miguel, segundo ele, “um bairro longe, que sobe morro e desce morro com pneu
furado para chegar lá”. Como logo produzo imagens com as falas das pessoas,
imaginei como seria o desenho que Júlio produziu em sua mente ao falar de onde
vinha para trabalhar. Continuei meu caminho até Paracambi fazendo em minha
mente uma pintura simbólica dos morros que subi e desci, traçando um mapa
diferente dessa jornada que semanalmente faço para aproveitar a vida. Juntos escrevendo essa história estavam Júlio das Cocadas, eu e o menino de 12 anos que só deixarei de ser quando minha história tiver um ponto final. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></p>
<p class="MsoNormal">* <a href="https://www.youtube.com/watch?v=gEb_BB-OTxQ&t=522s">https://www.youtube.com/watch?v=gEb_BB-OTxQ&t=522s</a></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com28tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-4461072109106962342021-11-23T09:47:00.007-08:002021-12-24T08:41:16.727-08:00Coração e mão X Cérebro e garganta<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Um conhecido faleceu e no dia seguinte fui me solidarizar com os
filhos, principalmente os ‘especiais’, um menino e uma menina totalmente
dependentes dele. Quando cheguei, duas pessoas discutiam intensamente. Assim
que dei meia volta, a voz de um dos envolvidos soou alto: <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">─ Marquinho, vem cá ajudar na solução de um problema! O
insensível aqui tá insistindo num absurdo.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">─ Isso! Precisamos de mais uma pessoa coerente para resolver
essa questão.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Pensei em fingir que não ouvi, mas a amizade com o falecido era
de longa data. Decidi entrar sabendo que seria o mediador do intenso duelo
entre ‘incoerência’ e ‘insensibilidade’. Duelavam a filha do falecido e o
esposo da irmã. O motivo era o que fazer com os ‘filhos especiais’ já que o
falecido era viúvo.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">A irmã defendia que nada mudasse na rotina deles, que permanecessem
em casa para serem visitados, fossem abastecidos pela pensão de pai e mãe e que
demais irmãos e famílias se revezassem na gestão. Por sua vez, o cunhado
defendia que custos fossem priorizados e reduzidos, que se reduzisse o número
de visitas a eles ou do que era oferecido aos visitantes e, por fim, que
estudassem uma futura colocação dos irmãos numa instituição onde recebessem
atenção especial, o que amenizaria para todos os encargos do revezamento.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Explicadas as posições, ambos falaram: “É tão óbvio e ela(e) não
quer ver”. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Em nenhum momento me coloquei como simpático a uma das posições,
mas empático a elas: todos queriam o melhor, mas não conseguiam perceber como
pintavam o óbvio e o transformavam no quadro. Isso me permitiu compreender que,
ao pintar o quadro para análise, cada um colocava como figura ou óbvio o que
sua experiência e habilidades e competências alcançavam, o que, logicamente,
deixava as do outro como fundo no quadro da obviedade. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Não demorei para decifrar a senha por trás daquele código do
viver: precisam se conhecer como virtudes, não como ‘insensibilidade’ e
‘incoerência’. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Irmã mais velha, a ‘incoerência’ esteve próxima aos pais nos
cuidados desde que os irmãos nasceram; sabia quanto que as visitas eram caras
para eles, o que a permitia olhar aquela realidade e planejar com facilidade o
ambiente, os próximos passos e onde cada um da família entraria nos cuidados,
faltando apenas ajustes para o revezamento. Compreendi que nela predominavam
afeto e expediente ou coração e mão. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Casado com a irmã mais nova que ela, a ‘insensibilidade’ era
professor universitário, estudioso de gestão e estratégia. Morava longe dali e
tinha informações precisas sobre custo de vida e o que ficaria como pensão,
sabia que uma pessoa precisaria ser contratada para ficar durante o dia,
enquanto os demais revezariam toda noite e temia pela subsistência do projeto.
Sua habilidade para argumentar era impressionante, o que certamente fez a
‘incoerência’ gritar por minha ajuda. Compreendi que ele era pensamento e
comunicação poderosos ou cérebro e garganta.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">O óbvio ao que cada um fazia menção era as competências,
habilidades e crenças que explicavam o melhor jeito que ambos encontraram para
estar nessa vida e produzir suas virtudes. Logicamente, faziam uso disso no
duelo e o resultado não estava bom para ninguém, principalmente para os
dependentes que a tudo escutavam e de bobos não tinham nada. “É da gente que
estão falando, Marquinho?”, me perguntaram quando fui cumprimentá-los.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Quando finalmente falei, procurei mostrar o que via como quadro
e relação figura x fundo: concordava com tudo o que disseram, mas lá no quarto
estavam ‘as figuras’, aqueles que deviam ser priorizados para escuta,
entendimento da realidade e busca por solução; os sentimentos e pensamentos dos
dois deveriam ser figura e não fundo no quadro. Falei para ‘incoerência’ e
‘insensibilidade’ que elas começavam a pintura por suas virtudes, ao invés de
usá-las para dar conta do desafio que a pintura do quadro demandava e que
dificilmente chegariam a qualquer conclusão se não reconhecessem que o obvio é
mais relativo do que se imagina e se vê. A ‘insensibilidade’ resolveu parar e
fazer como sugeria e os irmãos foram trazidos à sala e ouvidos.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Gastei tempo apresentando coração e mãos ao cérebro e garganta,
finalmente se conheceram como virtudes e não como ‘insensibilidade’ e
‘incoerência’. Fiquei sabendo depois que optaram por manter as crianças em
casa. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Guardei o precioso insight que me veio de, ao invés de
julgá-los, lê-los e representá-los como dimensões predominante e por onde as
virtudes se enunciam: num predominava o afeto, o fazer pragmático, o
expediente; noutro a reflexão, a estratégia, o cálculo, a facilidade para
construir e expor argumentos. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Ficaram lições: somos coração, mãos, cérebro e garganta, mas um
predominará na viabilização das virtudes que podemos produzir e aprender a
negociar seu uso ou aplicação; esta aprendizagem é fundamental, pois as razões
do coração nem sempre são compatíveis com as do cérebro e as mãos estão sempre
mais próximas da realidade do que a garganta; por fim, o óbvio é sempre o que
escolhemos como figura nos quadros da vida e sempre estará associado aos que
nossas experiências, competências e habilidades alcançam.<o:p></o:p></span></span></p>
<p><span style="background-color: white; color: #333333; font-size: 12pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;">(23 de novembro de 2021)</span></span></p><p><br /></p>Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-28961576938222990282021-11-02T07:06:00.012-07:002023-11-02T07:15:16.076-07:00Encontros, despedidas, rememoração e recriação.<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Finados sempre foi um dia especial para mim. Eu não sabia
definir com precisão por que era assim, mas a experiência me trouxe as dicas que precisava
para o entendimento desse delicado código do viver. Onde celebrávamos a morte
eu via uma celebração da vida: o dia de finados é pura criação e recriação.
Começava de véspera a arte de pegar as memórias dos que se foram e criar o
cenário para o famoso dois de novembro, quando íamos ao cemitério, o culminar do
pesaroso ritual. É criação e recriação constantes e a danada da memória,
chegada a uma atualização, é quem faz isso. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Atualmente não vou ao cemitério visitar os túmulos de meus pais, mas assim que abro os olhos vou direto para o ateliê das lembranças
e começo a criar e recriar. Não sou dado às artes da gastronomia e da
hospitalidade, mas sou filho de mineiros, ponho a mesa, preparo o lugar de cada
um na mesa, cuido de cada detalhe. Só saio de lá quando todos se vão ao final
do dia. Deixo a bagunça para arrumar nos dias que seguem e vou para a cama
descansar.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Antigamente era diferente. “Prepare-se, é dia de celebração dos
mortos”, dizia-se solenemente ao me acordar. Eu respeitava a ausência de vida nos
olhos de todos. “Hoje é dia de finados”, comunicava-se e tudo mudava na casa:
introversão, lágrimas, frases feitas, poucas palavras: “Ponham uma roupa boa,
demonstre seu afeto”, “Você leva as velas e vê se não esquece o fósforo”, “Você
leva as flores”, “Já falei com o rapaz que vai capinar em volta do túmulo”, “Vamos
cedo porque não quero pegar o cemitério lotado e temos que passar no Orlando Cocó para levar um frango para o almoço”, “Fecha o olho na hora da oração, seu
demente”. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Na hora do almoço, palavras praticamente cassadas, lágrimas
contidas. Mas pensamentos são discretos e pensar, ainda que gere muito barulho
dentro da gente, é ato de ousadia e resistência às cassações. “Como finaram se
o que fizeram foi uma passagem? Se saíram daqui para ali, pra lá ou acolá,
vivos estão, ora. Como morreram, se não há um dia em que deles não me lembre,
em que a memória não os traga ou nos leve para lugares e momentos especiais?”,
pensava calado enquanto olhava para a cadeira de dona Tininha vazia na mesa.
“Se deixamos a cadeira, por que não pusemos o prato e os talheres dela?”,
continuava a reflexão. Um pouco mais de ousadia na imaginação e lá estava dona Tininha
nos fazendo companhia, piscando o olho para mim, sorrindo discretamente,
orientando a respeitar o silêncio. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">A experiência chegou e ousadia e resistência tiraram a imagem da
mesa da cozinha e a levaram para o ateliê das lembranças. Começo os preparativos, deixo as
portas abertas e aos poucos todos chegam. Começa a tocar Trio Parada Dura, seu
Antônio sorri feliz. À dona Tininha, por força do tempo e recriação da memória,
preparo uma playlist da Clara Nunes. Ela gosta quando toca Feira de mangaio,
aceita com elegância o possível lapso em 40 anos de saudades. O tempo passou,
as coisas melhoraram e hoje tem quase de tudo: frango, peixe, salada, fruta,
cerveja e vinho, refrigerante e sobremesa. Atualmente pode exageros. Mônica
pede uns louvores, Cris traz uns toques de atabaque do seu terreiro e eu não
vejo a hora de tocar Milton Nascimento. Malu, Leo e Mariana, que chegaram zoando
a todos, nos abraçam, pegam seus lugares e começam a falar das novidades de
suas vidas profissionais e afetivas. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Tudo muda a cada ano para esse dia. Dona Tininha, artista da
costura, exige que ninguém repita roupa e estamos todos no fino do traço e do
ponto. Seu Antônio não gosta de tirar aquela camisa surrada do Botafogo do
brasileirão de 1995, mas faz a parte dele; reclama, mas dona Tininha o provoca
com aquelas sonoras gargalhadas. Algumas coisas não mudam, é claro, precisam
permanecer, são elas que nos guiam no passar do tempo. Mas louças, talheres,
temperos, quadros, tinta da parede e das madeiras e do piso são todas novas a
cada ano. Mônica faz a oração, eu e Malu somos os únicos de olhos abertos. É
serve aqui, pega ali; é festa e a gente se refestela. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Quando me dou conta o ateliê é só alegria. Já estamos no café da
tarde. Chegou a hora do Milton Nascimento, está tocando Encontros e Despedidas.
Paro de comer a broa de fubá e então me permito um instante de silêncio.
Contemplo com contentamento Mariana, Malu e Leo discutindo as coisas do seu
tempo, Mônica reclamando com o pai a demora dele fazer uma visita à casa dela,
enquanto mãe e Cris falam sobre a melhor maneira de cuidar das samambaias
choronas. Maya, Joana D’arc, Cléo e Freud estão à porta latindo, querem atenção
os safados. São quase dezoito horas, está na hora da ave-maria. Colocamos dois
copos com água sobre o rádio, Júlio Louzada solta a sua voz e a agua está
benzida. Pai serve da benzida para mim, Cris e Mônica, é muito solene. Mãe, brincando
com Léo, Mariana e Malu, mede a golada de cada um e pede para não para babujarem
no copo. “Se não sobrar para mim é pecado, hein”, diz ela sorridente. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">A folhinha na parede informa que amanhã é dia 3 de novembro.
Milton Nascimento informa que “E assim chegar e partir/São só dois lados da
mesma viagem/O trem que chega é o mesmo trem da partida/A hora do encontro é
também despedida”. Abraços trocados, sorrisos e lágrimas, recomendações e nas
faces de cada um uma enorme gratidão. Fechos os olhos, todos se vão.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">(2 de novembro de 2021)</span></span></p>Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-21048613521599295252021-10-20T11:48:00.003-07:002021-10-20T14:08:43.221-07:00Uma Rural todinha em mimA Rural faz 111 anos. Recebo algumas perguntas para expressar minha relação com ela. Vejo-me diante do desafio de em poucas palavras e à queima roupa falar dos sentimentos e do que me marca na experiência de ruralino, do que a UFRRJ representa para mim e da atual percepção que tenho dela.<div><br /></div><div>Aceito o desafio, falo e ao mesmo tempo ouço imaginariamente Um girassol da cor do seu cabelo, de Lo Borges. A sensação é a mesma de quando ouvi essa música pela primeira vez, lá na casa Rosada, graças ao amigo Fernando Duque: o corpo ficou todo arrepiado no encontro entre mim, a música e o vento que só venta na Rural.</div><div><br />Falar do que a Rural representa para mim não é fácil, dá choro e risadas em proporções absurdas. São 50 anos de idade e 50 anos de Rural. Tirando pouquíssimos anos em que estive distante daqui, todos os outros anos são Rural, são ruralinos. A Rural é definitiva em tudo o que me constitui: afetos, memórias, encontros, valores e sonhos.</div><div><br />O que falar dos sentimentos? Lembro que sou filho de funcionário e que residi aqui dentro, que estudei na escolinha do IZ quando ela era de fato no IZ, que fui aluno do CTUR, duas vezes aluno de graduação e uma de doutorado, que fui técnico-administrativo e estou docente. São muitas as emoções e sentimentos envolvidos na minha relação com a Rural. A Rural atravessa e marca definitivamente minha história.</div><div> <br />As ligações são muitas e descrever meus sentimentos de ruralino não é tarefa fácil. É tudo muito denso e tenso nessa relação, são muitas memórias, desde a do momento de criança em que comi ao lado do meu pai no bandejão onde ele um dia foi garçom até o momento em que você docente assiste lá de cima a alegria dos formandos e das famílias na formatura, passando por uma cirurgia no antigo hospital no IF (ou por andar num ônibus dirigido pelo senhor Modesto, por estar conversando com o João, porteiro do Clube Social, por estagiar no plantio do arroz e na ranicultura, por ser do CPD e particpar da informatização e da implantação da internet na Rural, por plantar árvores ou hortaliças no CTUR, por ter vivido amores aqui, por ter conhecido pessoas sensacionais.. a lista é grande). Ah, sem falar no sentimento de ciúme do meu pai, que amava e vivia a Rural numa proporção assustadora.</div><div><br />É tanta coisa que me marca, minha memória ilustra as diferentes posições ou lugares em que estive por aqui. Mas tem algo que deixou marcas profundas. Meu pai, o saudoso Antônio Goulart ou Mineiro, trabalhou nos alojamentos e, nas datas de natal e ano novo, eu fazia-lhe companhia para levar alimentos e cumprimentos aos alunos que não tinham recursos. Ele fazia pequenas ceias, distribuía abraços e palavras de apoio, convidava as pessoas para irem lá para casa. Minha casa sempre foi cheia de pessoas da Rural, elas passavam natal, ano-novo, aniversários e outras datas conosco. Vi meu pai chorar abraçados a muitos nos seus piores ou melhores momentos, como no dia, em plena ditadura, em que ele chegou em casa após ser testemunha de defesa de um aluno preso por supostos atos criminosos; ele chegou e começou a chorar: chorou pela injustiça, pelo mal que faziam ao aluno -- que estava em péssimo estado -- e chorou porque achava que o aluno morreria e não podia fazer nada. Meu pai também tinha uma memória impressionante, conhecia todos pelo nome e sabia os cursos que faziam, os alojamentos em que viviam e das cidades de onde vinham; várias foram as vezes em que visitávamos as famílias de alunos e ex-alunos nas férias em suas cidades de origem. Meu pai acolhia, ajudava e orientava como podia as pessoas e exigia que eu respeitasse alunos, professores e técnicos, sempre ilustrava as qualidades e esforços que faziam para levar suas vidas.</div><div> <br />Passados os anos, que percepções tenho da UFRRJ? Sem exageros, não tenho apenas percepções da Rural, como se estas fossem impressões que ficam após um encontro involuntário ou passageiro. Tenho vivência dela, nela, com ela e por ela. Minha experiência com a Rural é involuntária, pois fui filho de funcionário, mas é principalmente voluntária, pois nela fiquei, nela estou. A influência da Rural na minha estrutura identitária e produção da minha subjetividade é da ordem do inexorável e do indelével, é punk, submete-se apenas às artimanhas da demência. É tanta coisa! Conheço o que o aluno de secundário, graduação e pós-graduação experimenta. Conheço o que o morador experimenta, o que o técnico-administrativo experimenta, que o docente experimenta (dei aula em todos os campus) e o que aquele que tem cargo ou função de coordenação ou executiva experimenta.</div><div><br />Sim, hoje tenho uma visão diferenciada da UFRRJ, pois preciso transcender os afetos mais ingênuos e ter em mente que ela é um organismo complexo: é uma universidade, uma cidade e uma organização ao mesmo tempo. E isso exige modelo de gestão ou de lida e esquemas de observação e interpretação diferenciados. Se chama UFRRJ, mas ela é universidade nos institutos, campus e na biblioteca, onde se produz produtos e serviços de alto valor agregado, como ensino, pesquisa e extensão; ela é inteirinha uma cidade e todos os desafios de se produzir uma vida coletiva; e ela é uma organização, um nexo de funções e recursos que existe para abastecer a si própria e à universidade e à cidade do que é fundamental à existência. É todinha Rural.</div><div><br />A Rural é única, imensa em todos os sentidos e desafiadora. E ela, de uma maneira bem peculiar e figurada, está toda em mim. Lamento, mas essa história não cabe aqui.</div>Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com10tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-23016939799636966882021-05-23T12:27:00.008-07:002021-12-30T04:30:48.848-08:00 Chão manchado de cabelo e pelo de barba<div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="animation-name: none; background-color: white; color: #050505; font-size: 15px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; transition-property: none; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="animation-name: none; transition-property: none;"><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: inherit;">Saía de casa quando minha vizinha parou, reclamou da minha barba a fazer e ainda disse “Está deprimido, meu filho?”. Curiosamente, vieram à mente imagens da última vez em que deixei o chão de uma barbearia manchado de cabelos e me deu imensa vontade de falar sobre o tema. De volta ao momento, contive o impulso de falar sobre o tema e de dar uma resposta moleca, deixei um sorriso de boa vizinhança e saí educadamente. Ainda que mais velha e bem-intencionada e mesmo sendo eu careca, ela não entenderia o significado que um chão manchado de cabelo tem para mim, não acessaria as delicadas senhas aí inscritas e pedindo decifração.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 12pt;">A última vez foi na barbearia do Zé João, em 1988. Ele ainda avisou: </span><span style="font-size: 12pt;">“Ratinho, seu cabelo é fraco, nunca mais vai ficar do jeito que está. Passa a </span><span style="font-size: 12pt;">zero mesmo?" Como tinha 17, ainda falou: “Seu pai sabe que você vai fazer </span><span style="font-size: 12pt;">isso?”. Lembrou que cortava o meu cabelo desde que eu era criança, que meu pai </span><span style="font-size: 12pt;">sempre me levava lá, que aquela era a última vez em que ele efetivamente teria </span><span style="font-size: 12pt;">cabelo em minha cabeça para cortar com tesoura e que dali para frente seria só </span><span style="font-size: 12pt;">máquina. Acertou.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 12pt;">À época, muita coisa se alinhou: algumas pessoas de referência para mim </span><span style="font-size: 12pt;">tinham passado a zero no cabelo e eu queria aquela onda; era uma fase rebelde, </span><span style="font-size: 12pt;">de confronto com meu pai, de complexa reafirmação do édipo mal finalizado, éramos </span><span style="font-size: 12pt;">puro conflito. Conflito e ondas me embalavam sim. Ondas com aquela de usar </span><span style="font-size: 12pt;">bonés de roupas de marca. Para além das ondas e do édipo, o que queria mesmo </span><span style="font-size: 12pt;">era me ver diferente: não me contentava em me ver o mesmo a cada dia, sempre </span><span style="font-size: 12pt;">queria me ver diferente, um outro eu ou eu num outro lugar. Creio que nem tinha </span><span style="font-size: 12pt;">cabelo quando essa inquietude fez morada especial em mim. Sintoma do édipo e de </span><span style="font-size: 12pt;">algo que ainda preciso elaborar quando o espelho responde ao meu olhar.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 12pt;">Quando Zé João falou “Pronto, Ratinho, veja se tá do jeito que você </span><span style="font-size: 12pt;">quer”, me virei lentamente para o espelho e ele, com aquele sorriso lindo que </span><span style="font-size: 12pt;">sempre teve, falou: “Seu futuro vai ser assim. Vai ser engraçado ver você assim </span><span style="font-size: 12pt;">depois de tanto tempo cortando o seu cabelo”. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 12pt;">Quando me vi careca fiquei meio assustado, mas não tive arrependimento; </span><span style="font-size: 12pt;">tive a breve alegria de alguém que fazia algo que tinha um grande significado, </span><span style="font-size: 12pt;">pelo resultado e pelo ato em si. Olhei para o chão e o vi todo manchado do meu </span><span style="font-size: 12pt;">cabelo. Foi a última vez. Lembro-me que não tive coragem de olhar o processo de </span><span style="font-size: 12pt;">corte, fiquei de costas para o espelho e o Zé João, rindo de minha covardia, </span><span style="font-size: 12pt;">brincava: “Ué, Ratinho, você é homem ou um rato?”. Ria porque eu era filho do </span><span style="font-size: 12pt;">Ratão, o carismático Antônio Mineiro, o Antônio Goulart, e ele só me chamava de </span><span style="font-size: 12pt;">Ratinho, dificilmente de Marquinho.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 12pt;">Quando cheguei em casa e tirei o boné, meu pai disse: “Porra, você é </span><span style="font-size: 12pt;">demente, gosta de me provocar mesmo”. Tremi feito vara verde. Não falou mais </span><span style="font-size: 12pt;">nada, sequer teve a típica reação de quando via que entre nós as coisas não </span><span style="font-size: 12pt;">fluíam bem. Também pudera: o tão esperado filho homem vivia em conflitos com </span><span style="font-size: 12pt;">ele, não convergia a ponto dele orgulhosamente dizer “esse é meu sucessor”. Eu </span><span style="font-size: 12pt;">não vivia o futebol na intensidade que ele queria, troquei o Botafogo pelo </span><span style="font-size: 12pt;">Vasco, a música caipira pelos Beatles e a MPB; não jogava cartas, não pensava a </span><span style="font-size: 12pt;">política como ele e, principalmente, não tive a humildade de captar como ele</span><span style="font-size: 12pt;"> pensava a vida e suas surpresas. Em vida, passados alguns bons momentos </span><span style="font-size: 12pt;">da infância, fomos só amor e conflito. Hoje, evidentemente, é fácil perceber </span><span style="font-size: 12pt;">que os conflitos foram uma das maiores burrices que juntos cometemos e, mesmo </span><span style="font-size: 12pt;">inteligentes, sensíveis e criativos, nos amamos muito pouco.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: inherit;">Horas antes da última vez que manchei o chão com cabelo, Roninho, meu amado primo e com quem eu vivia a onda do cabelo enrolado e do uso do neutrox, disse para eu não cortar com máquina; disse que jamais faria no dele, poupando-me de ouvir que meu cabelo era ruim. Antes dele, quando estive em suas barbearias, Mamede avisou sobre meu uso de bonés, que eles enfraqueciam os fios e tal, e Jairo, que via a situação que se desenhava, nada falou. Sempre fui impaciente, se não tinha vaga no Zé João, ia nos outros dois e assim puderam eles fazer ou não o vaticínio: meu futuro sem a chance de manchar o chão com cabelos.<o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 12pt;">Passados 33 anos, não tive paciência para explicar à minha preocupada </span><span style="font-size: 12pt;">vizinha que não estava deprimido, que deixar o cabelo e a barba crescerem tem </span><span style="font-size: 12pt;">muito significado para mim, que toda vez que o faço e desfaço estou reelaborando </span><span style="font-size: 12pt;">e ressignificando muitas coisas na minha história.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 12pt;">Ela não teve a sensibilidade de perceber que ao assim fazê-lo busco </span><span style="font-size: 12pt;">certa proximidade com meu amado pai, que cultivava uma bela barba e tinha forte </span><span style="font-size: 12pt;">e invejáveis fios de cabelo. Toda vez que estou barbudo, recebo alguns </span><span style="font-size: 12pt;">adoráveis comentários de que estou a cara dele. Entenderia ela que barbudo o </span><span style="font-size: 12pt;">Ratinho vira, ainda que por poucos dias ou semanas ou meses, o Ratão? Não, ela </span><span style="font-size: 12pt;">não entenderia que nesses desencontrados momentos, já que ele faleceu em 2005, </span><span style="font-size: 12pt;">todo conflito entre nós acaba: já não se faz mais necessário ao Ratinho afirmar </span><span style="font-size: 12pt;">que ele não é o Ratão, que quando ouço esses comentários é como se ele </span><span style="font-size: 12pt;">estivesse me abraçando e dizendo que me ama. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 12pt;">Ela não acessaria que deixar barba e cabelos crescerem, de me esvaziar </span><span style="font-size: 12pt;">das demandas narcísicas, é uma das maneiras que uso para visitar o vale das </span><span style="font-size: 12pt;">minhas sombras, das mazelas de minha alma. É lá que me sento sob árvores pouco </span><span style="font-size: 12pt;">folhosas e contemplo os momentos em que estou ou fui ruim, em que não estou ou </span><span style="font-size: 12pt;">não fui tão bom quanto penso e desejo; é lá que choro com mais liberdade as </span><span style="font-size: 12pt;">dores de ser alguém que ainda não aprendeu a lidar direito com as perdas e os </span><span style="font-size: 12pt;">laços afetivos mal resolvidos. Ela não acessaria que sigo pela vida tentando </span><span style="font-size: 12pt;">entender o que Milton Nascimento canta em Travessia e Caçador de Mim, pois </span><span style="font-size: 12pt;">ainda vivo a me procurar e do nada a me caçar, me abater e que também do nada </span><span style="font-size: 12pt;">uso me cassar dos lugares em que mais bem estou e em seguida saio soltando a </span><span style="font-size: 12pt;">voz nas estradas. Cada vez mais cansado disso, já que no espelho vejo e começo </span><span style="font-size: 12pt;">a aceitar o homem de 50. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 12pt;">Ela não entenderia se dissesse sorrindo e otimista que deixar barba e </span><span style="font-size: 12pt;">cabelo crescer para ver o chão manchado de cabelo e pelo de barba é uma maneira </span><span style="font-size: 12pt;">simbólica de lidar com a terrível dor da alma do dia em que cortei meu rosto </span><span style="font-size: 12pt;">tentando ser igual ao pai que contestei édipo afora. Ah, embora tenha doído </span><span style="font-size: 12pt;">apenas na alma, que agonia foi aquele dia: aos 12 anos, escondido no banheiro, </span><span style="font-size: 12pt;">fiz todo ritual que ele fazia: primeiro, pus um pouco de Bozanno no pincel e </span><span style="font-size: 12pt;">enchi de espuma a cara que só tinha poucos pelos; depois, peguei o aparelho de </span><span style="font-size: 12pt;">barbear de metal, pus cuidadosamente a gilete na parte de cima, enrosquei bem a </span><span style="font-size: 12pt;">parte debaixo do barbeador e fechei a parte superior; então, olhei-me no </span><span style="font-size: 12pt;">espelho e tentei fazer como há anos o via fazer; fiz a primeira passada e logo </span><span style="font-size: 12pt;">veio o corte e o sangue a escorrer pelo canto da boca e a manchar a pia bege </span><span style="font-size: 12pt;">escuro.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 12pt;">Sangrando, assustei-me, chorei, sujei muitos pedaços de papel higiênico </span><span style="font-size: 12pt;">para não deixar rastros na toalha de rosto e tomei a infeliz decisão de, como </span><span style="font-size: 12pt;">fazia meu pai, por álcool no rosto. Ao meu jeito fui às alturas com a ardência </span><span style="font-size: 12pt;">e ao chão com a bronca que me deu quando viu o corte no meu rosto. Minha </span><span style="font-size: 12pt;">vizinha não entenderia que ao me ver homem no espelho, barbudo e com um pouco </span><span style="font-size: 12pt;">de cabelo para cortar, eu olho para aquele menino de 12 anos a chorar, o abraço </span><span style="font-size: 12pt;">e o acolho, já que o pai dele não o fez, apenas falou duro e o criticou.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: inherit;">Por fim, ela não entenderia que deixar barba e cabelo crescer para depois ver o chão manchado de cabelo e pelo, ainda que jamais como da última vez, é um ato de resistência contra o passar do tempo: tenho 50, mas ainda resisto à presença dos rostos dos meninos de 12 e de 17, do meu pai, do Zé João e do Mamede apenas no espelho da lembrança (não sei do Jairo). Também é uma insistência para resolver o terrível dilema de que vira e mexe me inquieto, creio que preciso mudar e então movo o mundo que me cerca e por vezes me assusto com o resultado, como aos 12 anos. Talvez seja o dilema de que ainda não fiz meu os lugares em que estou e que, mesmo me sabendo forte, contabilizo apenas o muito que ainda tenho para falar. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; line-height: normal; margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 12pt;">Dilemas de ainda percorrer solitária e desajeitadamente os desertos do </span><span style="font-size: 12pt;">édipo. Ela não entenderia isso, não acessaria as senhas desse código do viver.</span></span></p><span style="font-family: inherit;">
23-5-2021</span></div></div>Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-62459845293772539722021-02-27T07:20:00.016-08:002021-02-28T02:48:42.951-08:00Foi um Martin Freire que passou em minha vida<p> </p><div class="" dir="auto" style="animation-name: none !important; background-color: white; color: #1c1e21; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 12px; transition-property: none !important;"><div class="ecm0bbzt hv4rvrfc ihqw7lf3 dati1w0a" data-ad-comet-preview="message" data-ad-preview="message" id="jsc_c_1u8" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; padding: 4px 16px 16px; transition-property: none !important;"><div class="j83agx80 cbu4d94t ew0dbk1b irj2b8pg" style="animation-name: none !important; display: flex; flex-direction: column; font-family: inherit; margin-bottom: -5px; margin-top: -5px; transition-property: none !important;"><div class="qzhwtbm6 knvmm38d" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; margin-bottom: 5px; margin-top: 5px; transition-property: none !important;"><span class="d2edcug0 hpfvmrgz qv66sw1b c1et5uql rrkovp55 a8c37x1j keod5gw0 nxhoafnm aigsh9s9 d3f4x2em fe6kdd0r mau55g9w c8b282yb iv3no6db jq4qci2q a3bd9o3v knj5qynh oo9gr5id hzawbc8m" dir="auto" style="animation-name: none !important; color: var(--primary-text); display: block; font-family: inherit; font-size: 0.9375rem; line-height: 1.3333; max-width: 100%; min-width: 0px; overflow-wrap: break-word; transition-property: none !important; word-break: break-word;"><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; transition-property: none !important; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;"><br /></div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; transition-property: none !important; white-space: pre-wrap;"><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="animation-name: none !important; color: #050505; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; transition-property: none !important;"><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;">Em Setembro de 1990, apaixonado por uma menina, fui à casa da sua avó, lugar onde costumava ficar em alguns finais de semana. Era semana do aniversário dela. Para declarar minha paixão, preparei todos argumentos possíveis, pus a melhor roupa que tinha. Ao chegar, sou informado de que ela estava na casa do Martin Freire: “Ah, ela vai demorar por lá. Ela adora ele, são grandes amigos”. “Esse Martin está indo longe demais”, pensei à época.</div></div><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;"><span style="color: #050505; font-family: inherit; font-size: 0.9375rem;"><br /></span></div><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;"><span style="color: #050505; font-family: inherit; font-size: 0.9375rem;">Martin Freire marcou definitivamente a minha vida e, mesmo tendo sido informado disso, não se permitiu saber quando, como e quanto. Curiosamente, o não-dito ficará como a marca do nosso encontro nessa vida. Para mim, o pouco dito foi surpreendente, restaurador, reparentalizador, apaziguador. Martin chegou onde só os que têm muitos dons chegam, e, por mais que não cresse nisso, foi um homem de realizações.</span></div><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;"><br /></div><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;">O final dos anos 80 e início dos 90 foram definitivos para minha história e Martin Freire é uma importante personagem dela. Não mais que de repente ele emerge nas crônicas diárias da vida que eu levava entre o km 49, o Ecologia e a UFRRJ. Emerge e assume uma centralidade que, somada a outros fatores, provocará uma das maiores inflexões em minha história. Não foi coisa qualquer: foi coisa grande, imensa e intensa, como ele era. Foi da ordem do como eu mudo a maneiro como me compreendo, me defino e me enuncio ao mundo. Foi da ordem do identitário, do desenvolvimento, realização e consolidação da minha identidade pessoal e social, do autoconceito pessoal. Foi o processo de saber quais eram os meus dons e como eles deveriam informar o meu viver. Processo que passa pela emergência do Marco Bauhaus, da minha conexão com o ideário urbano e cosmopolita, ao marketing e à propaganda, em contraposição à escolha de ser da área de agropecuária e que me conectava ao CTUR, e que culmina no Marco Souza que estou e ainda reinvento. Processo que passa pela minha identificação com a criatividade, a literatura, a escrita, o jazz, o chorinho, arte... cultura, e que me fez dizer: é isso o que eu quero para mim.</div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; transition-property: none !important; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;">A passagem do início do texto é uma inúmeras aparições dele na crônica da minha vida. Ele já pairava e muito nas falas de amigos do CTUR (1988-90) e de amigos do km 49: era Martin Freire aqui, ali, lá e acolá, figura fácil e destacada em todas as narrativas sobre o que era feito e podia ser feito naquela época: “Fomos à casa do Martin”; “Estivemos com o Martin”; “Fizemos um churrasco, aí o Martin chegou”; etc. Só dava Martin Freire e aquilo me incomodava: o cara era insaciável, articulado, polivalente, brilhante, quase imanente, um furacão que passava em paralelo a minha vida. As narrativas sobre aquela figura eram as mais ricas e interessantes possíveis e eu vivia, à distância, a mapear seus dons. A dinâmica da aparição dessa personagem ganha em volume com o passar do tempo: presença no teatro, na política, nos grupos da UFRRJ, nas noites em Seropédica. Marcas da avassaladora vida de Martin Freire.</div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; transition-property: none !important; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;">Quem era afinal a figura cuja presumida onipresença e onipotência me incomodava tanto? Por que me incomodava tanto? Onde ficava a mágica casa que todos amavam estar nela? Que jogos eram aqueles que envolvia a todos? O que fazia ele para ter desempenho social tão marcante? Por que tantos e fantásticos dons?</div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; transition-property: none !important; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;">Eu não assumia os sentimentos que emergiam em mim até o dia em que finalmente eu vi quem era Martin Freire, numa peça de teatro, no Gustavão. Quando o vi antes da peça, pensei assim: “É esse aí o encantador das multidões de jovens, que rouba a atenção e o coração dos meus amigos e colegas? Essa figura extravagante e ruidosa que tem passe livre para incidir sobre os grupos e rodas, para do nada se jogar nos colos, dar gritos etc.?”. Começa a peça, ele dá um show, cresce ainda mais. Adorei a peça e a personagem dele. A senha do viver estava clara: “Assume que você tem inveja. Você inveja Martin Freire, Marco”.</div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; transition-property: none !important; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;">Foi chocante o dia do teatro. Fisicamente, ele não tinha nada a ver com a figura que eu imaginava e projetava ser, mas em termos de espírito, aura, energia, ah, estava tudo confirmado. Eu fantasiava ser ele metido, arrogante, soberbo etc. e ele não era nada daquilo. Um pouco mais à frente, vem o período da rendição e a providencial atualização da senha: assumo minha admiração por Martin Freire. Ele continuará a fazer parte da crônica. Estará no histórico dia em que um grupo de amigos pega a caixa de cerveja no alto de um pau de sebo numa festa em frente à sala de estudo (Aliás, este grupo não demorará para apresentar uma das safras mais ricas de profissionais e cidadãos que a UFRRJ já formou. Que grupo!). Depois vem mais teatro, parceria com Nogueira, KIHU pra lá e pra cá, Seropédica e as noites, as conexões políticas, e por aí vai se estendendo a força mobilizadora da presença de Martin Freire.</div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; transition-property: none !important; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;">Por anos nutri gratuita e silenciosamente um ingênuo desafeto pelo Martin, enquanto ele cumpria o importante papel de ser a referência marcante e ruidosa que eu usaria para pautar decisões importantes que tomei sobre o quê e quem eu poderia ser nessa vida. Na maior parte do tempo, isso deu-se de maneira 'inconsciente', pois ele não constava nos meus diários, não foi pauta de resenhas com amigos, nem assunto em setting terapêutico, onde eu poderia lidar com o por que e como seus dons me afetavam. Invejei Martin Freire e o usei como referência para definir o percurso que seguiria para conscientizar-me dos meus dons e estabelecer-me, e o fiz sem saber como ele era, sem jamais ter interagido com ele, baseado apenas nas narrativas, nas reações das pessoas quando falavam dele e de estar com ele. No fundo, eu não queria ser igual a ele, pois meu querer ser alguém passava pelo autentico e o original, mas eu queria ser tão interessante, intenso, arrebatador ou criativo quanto ele. </div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; transition-property: none !important; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;">Eu morria de inveja de uma personagem com quem só tive a primeira conversa pessoal em 2011, no trailer do Marcelo. Estava sentado à espera do Ricardo Oliveira para beber cerveja e falar da nossa candidatura a diretores do ICHS. Martin aparece, vai até minha mesa, me cumprimenta e do nada começa a falar: “Ó, estou apoiando a chapa de vocês, pedindo voto. Vocês vão ganhar. Ricardo é um cara muito bom dessa safra nova do Reuni. E, para mim, Marco Souza, você é uma das pessoas mais inteligentes da Rural. Eu concordo com suas falas nas reuniões e tudo o que você fala nos seus blogues. Se você vier candidato a alguma coisa na Rural, eu voto em você. É sério tá, pois vou começar a beber agora”. Ouvir aquelas palavras direto de Martin Freire foi surpreendente, contagiante. Eu queria dizer que o que ele via em mim também era reflexo do que ele fora para mim, mas ele saiu, foi para o balcão e lá ficou bom tempo conversando com outras pessoas, sempre chamando atenção, sempre marcante. Depois aproximou-se da nossa mesa. Na ocasião, tentando dizer tudo o que ele significava para mim, confessei minha inveja e a importância que ele tinha e sua reação foi: “Ah, para Marco, um professor com inveja de mim? Quem sou eu?”. Tentei explicar que era verdade e ele não deixava eu continuar. Eu dizia que ele estava atualizando a conversa, que a coisa era mais pretérita e longeva, mas ele não deixava: “Outra hora a gente fala disso”. Algo o incomodava e ele não me deixava acessar.</div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; transition-property: none !important; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;">Voltamos a nos encontrar outras vezes e ele passou a me cumprimentar com um abraço gostoso, acolhedor e validador que sempre encantou a todos. Ele sempre me reforçava, elogiava, incentivava. Descobrimos ter a mesma idade. Falávamos de Seropédica, da UFRRJ, da vida, de filhos, de tudo o que acontecia nas rodas em que estávamos, mas quando eu falava sobre ele ter sido importante em minha vida, ele sempre dizia: “Ah, lá vem você com essa história...um professor com inveja de mim...cara, fiz muita loucura nessa vida, algumas coisas podiam ser diferentes...ainda tem a porra da tese...etc. etc.”. Falava como se tivesse que dar para mim explicação sobre como viveu, o que fez ou deixou de fazer, mas não deixava que falássemos do que ele sentia e talvez precisasse por pra fora. Nunca falamos abertamente de que ser alguém mais pleno, original, intenso e denso era mais importante do que ter o título de professor ou coisa parecida. Não consegui realmente conhecer Martin e a mítica casa dele, como meus amigos conseguiram. </div></div><div class="o9v6fnle cxmmr5t8 oygrvhab hcukyx3x c1et5uql ii04i59q" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; transition-property: none !important; white-space: pre-wrap;"><div dir="auto" style="animation-name: none !important; font-family: inherit; transition-property: none !important;">Sua passagem deixa escancarada a cratera que jaz sob todo não-dito das relações humanas. Não-dito que em parte agora segue escrito. Obrigado por tudo, Martin Freire. Invejei você e aprendi que mais gratificante e transformador era admirar e ser o máximo possível parecido com você: um viver informado pelos dons, não pelos medos. Você foi rico em dons, pleno, absoluto, intenso, denso, possível e realizador. Seu viver dispensava justificativas, explicações ou esclarecimentos.</div></div></span></div></div></div></div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p></o:p></p>Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-50566006924643864782020-12-20T07:15:00.022-08:002022-06-29T12:11:14.804-07:00A poda<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Seropédica, km 54, 16 de dezembro de 2020. Durante dois meses
deixei as ixoras crescerem sem aparar. Desde que foram plantadas, foi o maior tempo
que assim ficaram. Avolumaram-se, floresceram...ficaram lindas. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">É um espetáculo
flores rosas, vermelhas e amarelas misturadas ao verde forte da folha de
ixoria. Entretanto, vivenciar tal espetáculo tem seus preços: aumenta a
sujeira, pois as flores desbotam bastante; os galhos avançam sobre a área da
varanda e ficamos com menos área para perambular; e sempre aumenta a
possibilidade de aparecer alguns lagartos, aranhas e pequenas cobras.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Devido ao ninho que um casal de biquinho de laca começou a
construir entre as folhas, fiz a concessão de não aparar. Convivem por aqui
sabiás, rolinhas, beija-flores e há muito não apareciam biquinhos de laca e
canarinhos. Antes da decisão, porém, passei por uma pequena indefinição: o
ninho estava bem exposto, o que era uma ótima oportunidade para pequenos
répteis se alimentarem. Pensei na alegria que dá ter tantos cantos de
pássaros durante o dia e decidi correr os riscos das plantas crescerem e darem
conta da escamoteação do ninho. Nesta semana, comecei a ver pequenos biquinhos
de laca voando por aqui, o que sinalizava que já tinham deixado o ninho. Havia
chegado a hora da poda.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Decidi que mexeria hoje nas ixoras e que tiraria fotos do antes
e do depois. Ao contemplar o espetáculo de cores pela tela do celular, confesso
que bateu um sentimento de pena. Peguei a tesoura e, antes de fazer a primeira
intervenção, ouço a voz da Malu: <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">— Caramba, você vai acabar com toda essa beleza? <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">— Malu, estamos diante da beleza de plantas robustas, saudáveis
e cheias de flores, mas temos um problema de ordem prática: cresceram demais e
estão atrapalhando a passagem [Apontei para ela o caminho bloqueado], sequer
falei da ameaça de bichos. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">— Você vai realmente trocar beleza por isso aí?<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">O dilema estava posto: mexer nas ixoras sem dar dó, sem me
sentir mal por acabar com um espetáculo tão lindo. Em outras palavras: atender
demandas de funcionalidade e fluidez da vida cotidiana ou atender demandas
estéticas também muito caras para nós?. Estava dividido, mas tentava não
transparecer. Fui tomado pelo pragmatismo e não dei muita atenção a outra
resolução que não fosse a poda. Cheguei a pensar: “Resolve isso logo, sua vida
é cheia de dilemas precisando de soluções”.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Comecei a poda e Malu apontava às flores lindas caídas ao chão, misturadas aos galhos, </span></span><span style="color: #333333;">pontuando o ‘absurdo’ que eu estava fazendo</span><span style="color: #333333; font-family: inherit; font-size: 12pt;">. Afastei-me
para contemplar por outro ângulo e o visual havia se transformado. Deu dó ver
que ‘matei tantas flores, que acabei com o espetáculo’. Falei para Malu que o
que fazia era uma poda e que esta tinha uma função vital na história da planta,
dado que voltariam a se desenvolver, com mais forças até, e continuariam a
cumprir o papel delas em nossas vidas. Ela se calou, continuei a poda, torcendo
para que não me questionasse se a mesma não exigia conhecimento e destreza para
obter o seu máximo efeito. Além da poda que fazia ser literalmente
desorganizada, comecei a questionar: “O que você entende de poda, Marco? Chame
alguém que realmente saiba para dar resultado melhor”. Não voltei atrás. “Tenho
que passar por isso”, pensei.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Concentrei-me no corte dos galhos, mas imediatamente dei-me
conta da sutileza de um conteúdo implícito e inerente àquela interação com
Malu: eu falava de poda de flor, mas, figuradamente, nós humanos também
sofremos podas. Baseado no que falei para ela, comecei a me questionar sobre o
que de fato </span></span><span style="color: #333333; font-size: 16px;">eu</span><span style="color: #333333; font-family: inherit; font-size: 12pt;"> entendia sobre podar e ser podado e como me saí em ambas
situações. Podar alguém soa meio autoritário ou violento, mas em nosso processo
de desenvolvimento passamos por muitas podas. Lembrei de Freud e da castração,
uma interdição que é quase um podar ou corte drástico no prazeroso fluxo
relacional da criança com o seu primeiro e caro objeto: a mãe. Insistindo na metáfora
da poda em nós, realizei que ela vai se dando em diversas fases do nosso desenvolvimento,
nesse processo de, via renúncias e cortes, chegarmos ao nosso melhor jeito de
estar no mundo. </span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Parei, sentei em frente às ixoras e fiquei pensando: “O que meu
jeito de estar no mundo indica sobre como sou ou fui ixora nessa vida?” Lidar com
podas ou limites, perdas e cortes, não foi nada fácil para mim. Veio à mente
uma verdade inconveniente: sempre fui muito sensível e reagi mal às limitações
e impossibilidades que tive e estive continuamente voltado às satisfações das
minhas demandas e sem me ter permitido viver resignada e amadurecidamente as
podas, isto é, sem ter aprendido a conviver com renúncias e inerentes vazios e
dissabores que elas geram.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Aprofundei-me nos pensamentos e captei a irônica situação em que
se via o homem da poda: ainda não aprendi a devidamente fazer a escolha imposta
pela vida entre privilegiar demandas funcionais (que atenderão ao coletivo) ou
estéticas (que atenderão às minhas satisfações). O sentimento de dó que
experimentei por cortar as belas flores das ixoras era uma senha clara: o
podador não amadureceu o suficiente para compreender que ao sorriso de ver uma
nova flor brotar sempre precederá um choro com a flor que cairá (e este choro,
confesso, sempre me foi mais caro).<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Sentado em meio a flores e galhos caídos, os pensamentos
escancaravam o irônico da minha vida: ela se encontra totalmente transformada
por mudanças que quis empreender e que acabei por não negociar devidamente com
as pessoas que seriam afetadas por elas. Mudanças que geraram transformações na
rotina dessas pessoas e em conflitos de interesses que demandavam minha
liderança para o manejo. Acabei por não me sair muito bem no manejo do processo
que começou quando decidi por coisas como morar no Rio de Janeiro, me reaproximar
do meu filho e sair da área de marketing e gestão e fazer psicologia. Passados
sete anos do início do processo de alcançar meus objetivos, tudo mudou em minha
vida: moro em outro lugar, dou aula em uma área nova, estou longe de pessoas
que realmente amo, enfim, diariamente lido com o enorme furo ou vazio ou
dissabor que se estabeleceu ou se acentuou devido a tantas transformações e às
consequências psíquicas, afetivas e econômicas das mudanças. Por vezes, me pego
‘olhando para trás’ e assustado com tantas flores que caíram.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Fazendo a poda das ixoras e dialogando com Malu, aumentei a consciência
de que há tempo para chorar a flor que cai e também para notar e acompanhar a
flor que brota, apesar de tudo parecer tão corrido atualmente e de que preciso
aumentar a consciência dessa transição e de vivê-la adequadamente: prestar
atenção ao jardim e à varanda e com eles se envolver, deles cuidar e junto a
eles encarar os ciclos da vida e os inerentes perde e ganha.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Terminei a poda no mesmo dia e, apesar de ainda engatinhar no
aprendizado sobre podas, me contentei por ter sido ‘suficientemente bom’ no que
fiz. Sobre as flores que brotam após cortes, sei que logo, logo as ixoras se
avolumarão e belas flores aparecerão, gerando novamente o dilema entre
viabilizar o fluxo pela varanda ou ficar mais tempo contemplando o ganho
estético de ter belas flores. Da mesma maneira, sei que as mudanças que
empreendi já começaram a surtir efeitos positivos, que novas e belas flores
brotaram em minha vida, mas ainda preciso prestar a devida atenção a elas.
Fundamentalmente, copiei a sutil mensagem do viver entremeada numa simples
interação entre mim e Malu: elaborar
adequadamente o dilema entre viabilizar o fluxo pela varanda (o viver saudável
de um coletivo) ou desfrutar da beleza de tantas flores (de continuar sendo tão
sensível e orientado às satisfações das minhas demandas individuais). Quanto a
ser podado, perto dos 50 anos e mesmo não querendo sofrer podas, sei que a cada
dia a vida está fazendo muitas em mim. Envelheço. Além disso, estou realmente
aprendendo a renunciar satisfações e a negociar mudanças.<o:p></o:p></span></span></p>
<p><span style="font-family: inherit; text-align: justify;"><span style="background-color: white; color: #333333; font-size: 12pt;"> </span></span></p>Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-9353242171988834032020-11-24T05:03:00.001-08:002020-11-24T05:03:43.369-08:00Apaixonado sublimando<p> <span style="background-color: white; color: #777777; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px;">Malu e Leo,</span></p><p data-adtags-visited="true" style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #777777; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 1.5em;">Novamente desabafo com vocês. Afinal, vocês têm a sensibilidade e inequívoca relação com a arte e a escrita; algo que pensei ter, mas que pelo entendi de um evento recente, não é bem assim: foi um engano.</p><p data-adtags-visited="true" style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #777777; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 1.5em;">Na sexta, primeiro de abril, tive mais um daqueles momentos que classifico como fundamentais para a análise e entendimento da minha vida e do meu viver. Outra vez ocorre num momento tão despretensioso, comezinho, quando não estou com a disposição nem com a mente orientada para temas existenciais. Outra vez acontece algo a emergir do nada e a atingir diretamente uma questão central da minha vida, esta que é cheia delas.</p><p data-adtags-visited="true" style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #777777; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 1.5em;">Assim que entrei na sala de aula, o professor perguntava à turma:<em style="box-sizing: inherit;"> vocês sabem o que difere um poeta genuíno, um escritor de fato, de um apaixonado sublimando</em>? A turma tentou algumas respostas, mas o professor sentenciou: <em style="box-sizing: inherit;">o primeiro não para de escrever quando suas dores passam</em>; e continuou explicando que o apaixonado direciona sua energia ou impulso sexual, a energia da libido, para uma atividade aceitável, com valor social positivo. Toda energia que embala a paixão, toda pulsão, principalmente se há frustração de uma realização, é convertida numa criação que protege o ego do apaixonado. Ele escreve como mecanismo de defesa do ego dele, não como seu ofício, lide, vocação ou prática com a qual se encontrou ou que a ela dedique sua vida. Assim que sai da sua frustração, que sua paixão volte ao rumo sem frustração, o apaixonado para de escrever.</p><p data-adtags-visited="true" style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #777777; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 1.5em;">Esclareço a seguir o ponto em que esta pergunta do professor alcança minha vida. Desde muito cedo pergunto-me sobre minhas vocações, para o que eu serviria nessa vida, para o que eu haveria nascido. Fui à vida tentando encontrar respostas. Nunca me identifiquei com as atividades da roça ou de ficar dentro de supermercados, estas que minhas duas famílias tão bem executaram. Eu logo vi que elas não eram a “minha praia”, mas me envolvi para ver o que aconteceria. Tenho muitas coisas a lhes falar sobre meu envolvimento com elas. Identifiquei-me com a atividade empreendedora – tive meu pequeno negócio de venda de peixes –, com marketing – cheguei a estudar na ESPM e tentar carreira no mercado. Cheguei de pára-quedas à carreira de docente e pesquisador, identificando-me mais com a primeira do que com a segunda. Tornei-me professor universitário, tentei fazer atividades de consultoria em marketing, mas sempre dei pouca atenção à atividade de escrever, que um dia emergiu para mim e com a qual, de fato, mais me identifiquei.</p><p data-adtags-visited="true" style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #777777; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 1.5em;">Em busca do que me fazia bem, de uma prática com a qual me identificasse, descobri-me um dia escrevendo num bloco que há muito jazia pela casa. Não mais que de repente, comecei a escrever, fazer registros, ter diários e por para fora minhas apreensões. Quando em contato com elas, eu naturalmente corria aos lápis ou canetas e às folhas para por pra fora o que sentia, pois infelizmente nem sempre tive ouvintes para elaborá-las comigo. Também sempre quis registrar temendo não estar aqui para contar a vocês e aos netos o que vi da vida. Comecei a escrever.</p><p data-adtags-visited="true" style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #777777; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 1.5em;">Escrevi e pus muitas coisas nos cadernos, diários. De ideias quaisquer às minhas alegrias e dores com o amor, registrei boa parte do que me aconteceu dos 18 anos até aqui, 45 anos. Digo boa parte porque tem coisas que não escrevi, houve época em que não recorri aos cadernos para desabafar ou para soltar o que me vinha à mente. A rotina estava pesada, as lutas da alma acontecendo e eu deixando de ir às páginas. Eu sempre leio estas épocas de apagão como ‘vacilos que dei na lide de escrever’.</p><p data-adtags-visited="true" style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #777777; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 1.5em;">Fui para vida carregando comigo a sensação de que deveria dar mais atenção à escrita, que deveria dar mais atenção à minha fantasia de ser escritor. Confesso-lhes que nada do que fiz em termos de ocupação, ainda que a maioria tenha me dado alegria, proporcionou-me alegria semelhante a da criação e conclusão de um texto. Que prazer me dão os textos! Mas eu sempre acreditei que não dei a eles a atenção que deveria. Como resultado, chego aos 45 anos tendo escrito livros técnicos de marketing e gestão e ainda doido para ir às páginas ou tela de computador e escrever.</p><p data-adtags-visited="true" style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #777777; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 1.5em;">Quanto me vi na vida gastando energia na indefinição sobre o quê e quando eu iria concentrar meus esforços vitais. Passei os últimos 10 anos experimentando momentos muito desagradáveis questionando-me sobre qual atividade eu deveria focar na minha vida, dado o descontentamento e cansaço relacionados a esta rotina que levo como professor e pesquisador. Ainda desenvolvo muitas atividades que consomem muitas energias e sem que elas me gerem um contentamento de alma realizada, sempre levo comigo a sensação de que me falta algo e que este estaria relacionado à lide de escrever.</p><p data-adtags-visited="true" style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #777777; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 1.5em;">Mas no dia primeiro, ao ouvir o professor, saí com a sensação de que uma vez mais não fui sensível ao identificar o ofício, lide, vocação ou prática com a qual me encontrarei e à qual deveria ter dedicado a minha vida; a que enfim explicaria para o que eu sirvo nessa vida, para o quê eu nasci. Doeu-me pensar que minha recorrida aos diários, às folhas e lápis ou canetas, nada mais era do que um mecanismo de defesa do meu ego, de que não passo de um desorientado apaixonado a sublimar.</p><p class="inline-ad-slot" data-adtags-visited="true" data-adtags-width="574" id="inline-ad-1" style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #777777; float: left; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; height: 0px; margin: 0px auto; overflow: hidden; width: 574px;"></p><p data-adtags-visited="true" style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #777777; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; margin-bottom: 1.5em;">13-04-16</p><div id="atatags-370373-5fbd0437cae53" style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #777777; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px;"></div><div data-adtags-width="574" id="atatags-26942-5fbd0437cae95" style="background-color: white; box-sizing: inherit; color: #777777; font-family: Lato, Helvetica, sans-serif; font-size: 16px; height: 272px; margin: 0px auto; overflow: hidden; padding: 0px; width: 300px;"></div>Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-9767657283352432072020-11-01T06:29:00.011-08:002021-12-31T09:51:26.628-08:00Da riqueza em que não se toca e que nos trouxe até aqui<p style="text-align: justify;"></p><p style="background: white; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span style="background: white; color: #222222;">Seropédica, 22 de agosto de 2006. </span><span face="Arial, sans-serif">Experimentei hoje um dos momentos mais bonitos e
felizes da minha vida. Meu objetivo era visitar tia </span><span style="background: white; color: #222222;">Conceição</span><span style="background: white; color: #222222;"> e saber da sua saúde, assolada por forte
depressão, mas o que lá ocorreu superou minhas expectativas, ensinando-me algo
mais sobre o que significa riqueza.</span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background: white; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="font-family: inherit;"><span face="Arial, sans-serif"><span style="background: white; color: #222222;">Quando cheguei em sua casa, ela conversava com
o tio Antônio na sala, enquanto tia Ana e tia Mariana faziam sala para os dois.
Na cozinha tinha mais pessoas, mas resolvi permanecer para depois cumprimentar
os outros. Pelas vozes que ouvia, sabia se tratar de outros tios e primos,
muitos deles filhos da tia Conceição. Em silêncio observei a conversa dos tios
mais velhos da família da minha mãe, ambos com mais de 70 anos. Falavam da
infância vivida em Pedro Teixeira, da vida dura que tiveram, das limitações e
desafios para sobreviver quando as crianças mais velhas tinham que ajudar os
pais na lide diária. Uma vez mais a vida me colocava na posição de observador privilegiado
de pessoas cujas narrativas dão conta de toda história que antecede minha vinda
ao mundo: suas vidas atravessam a vida da minha mãe, irmã mais nova. Contavam
suas vidas e eu no gostoso de exercício de imaginar os momentos narrados, mesmo
sabendo que conhecia Pedro Teixeira e Lima Duarte o suficiente para reconhecer
os locais descritos.</span></span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background: white; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="font-family: inherit;"><span style="background: white; color: #222222;">Um momento de extrema sensibilidade ver meus tios falarem de
uma vida da qual estamos bem distantes hoje em dia. Suas falas mostravam a
relação mais próxima com a natureza e, consequentemente, com os alimentos que
consumiam e com a paisagem da qual faziam parte. Palavras e rostos que
comunicavam quanto sofreram e lutaram. Meus tios e tias atravessaram décadas e
caminhos acreditando na vida, na família, em Deus, no trabalho e na correção de
caráter; passaram por muitas mudanças do mundo sem que tivessem o auxílio de
conhecimentos obtidos em escolas e livros; ao seu jeito resistiam e se
adaptavam a essa loucura que é a mudança de valores experimentada pela
sociedade. Inevitavelmente, lembrei-me da minha mãe e em silencio chorei sua
morte, que completará 25 anos no mês seguinte. Ela fez parte dessa jornada de
Ferreiras e Oliveiras que começou em Pedro Teixeira e Lima Duarte. Jornadas
marcadas por dificuldades, mas também por muitos êxitos. </span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background: white; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="font-family: inherit;"><span style="background: white; color: #222222;">Tempo depois chegaram outros primos e também os tios
Tiãozinho e Zé Grande e as respectivas esposas. A casa encheu ainda mais.
Finalmente, fui para a cozinha, repleta de pessoas que estavam bem, sorriam
soltas e aliviadas, faziam barulho comemorando a melhora da tia Conceição e,
certamente, a dinâmica daquele encontro marcado pelo destino, por Deus. A impressionante
cena da casa cheia me fazia fixar numa imagem que carrego de como deveria ser a
minha vida: próxima dos parentes e sempre os encontrando em cozinhas repletas
de gente proseando e narrando suas histórias. </span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background: white; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="font-family: inherit;"><span face=""Arial","sans-serif""><span style="background: white; color: #222222;">Todos na
cozinha proseavam animadamente e, depois de cumprimentá-los, fiquei apenas
observando. Dei-me conta de que era 18 horas, horário que automaticamente me
leva ao tempo em que meu pai ouvia a ave-Maria pelo rádio, pedia que ficássemos
em silêncio e ao final nos dava água benta para beber. Não sou religioso,
desenvolvi pouca espiritualidade, mas são sagradas para mim a imagem do copo
sobre o rádio e a inconfundível melodia da ave-Maria saindo de uma frequência
AM. Nossa casa era iluminada por fortes lâmpadas florescentes, as mesmas que
iluminavam a cozinha da tia Conceição e faziam aumentar a intensidade da
experiência. </span><span face="Arial, sans-serif">Hoje, não tinha rádio
ligado, nem a ave-maria sendo declamada, mas tinha um raro encontro de gente de
muita fé; encontro que há muito eu não via e que a alegria generalizada tornava
o momento ainda mais importante. Lamentavelmente, criamos o mal hábito de só
nos encontrarmos para chorar e nos despedirmos dos mortos. </span></span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background: white; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="font-family: inherit;"><span face="Arial, sans-serif"><span style="background: white; color: #222222;">O cheiro de café passado na hora deixava o ambiente
ainda mais gostoso e eu, que a tudo observava, ia súbita e imageticamente sendo
abraçado por minha mãe. Estava na privilegiada condição de representante dela naquele
momento que tinha a cara dela: se lá estivesse, estaria gargalhando alto na
cozinha, como sempre fazia. </span><span face="Arial, sans-serif">Como me
fez bem o momento em que pude ser o representante de um dos 12 filhos que
Marcelino e Júlia tiveram, e que passaram, ainda que por momentos e intensidade
diferentes, por tudo o que Tia Conceição e tio Antônio falavam na sala. Pessoas
que sobreviveram aos desafios de uma vida estabelecida num lugar pobre e
adverso, que venceram picadas de cobras e as desventuras do vovô, que cedo adoeceu
e pobre ficou; pessoas que, como puderam, ajudaram-se umas as outras para
prosseguir. </span></span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background: white; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="font-family: inherit;"><span style="background: white; color: #222222;">Mesmo estando na condição privilegiada, acabei lamentando a
ausência da minha mãe. Lamentei e chorei, ainda que ela me abraçasse naquele
instante e que ao meu lado estivesse sentada e olhando feliz tudo o que
acontecia. Essa sensação de perda é irreparável e quantos encontros como esses
não se perderam nesses quase 25 anos em que se foi. Toquei o território das
perdas e logo o traço melancólico que herdo dessa família se fez presente:
entre todos que lá estavam, eu era o mais novo; fiquei fitando homens e
mulheres com mais de 50 anos e que trazem no rosto a marca do tempo que passou
de forma muito especial: nossa família foi marcada por perdas muito prematuras
como a da minha mãe, dos tios Jacinto e do tio Fernando, dos primos Vilmar,
Pedrinho, Marinho, Rosângela e de outros primos e tios de quem não me lembrava
no momento. </span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background: white; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span face="Arial, sans-serif"><span style="font-family: inherit;"><span style="background: white; color: #222222;">Sob forte emoção, tentei me prender ao que
posso viver, esquecendo o que não pode mais ser vivido. Transitava entre a sala
e a cozinha ouvindo atentamente às conversas e em silêncio permaneci tentando
decifrar a senha do extraordinário momento. Até que veio um estalo: os desafios
que nos espreitam hoje são bem diferentes dos que essas mulheres e homens tiveram
lá atrás; nós, mais remediados e estudados, precisamos reconhecer que o grande
fantasma é a desintegração das relações provocadas por essa vida que nos faz
sair para outras cidades e viver outros grupos de pessoas, negligenciando os
reencontros com os que proporcionaram oportunidade e aprendizagens fundamentais
para que muito bem estejamos.</span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></span></span></p>
<p style="-webkit-text-stroke-width: 0px; background: white; font-variant-caps: normal; font-variant-ligatures: normal; orphans: 2; text-align: justify; text-decoration-color: initial; text-decoration-style: initial; text-decoration-thickness: initial; widows: 2; word-spacing: 0px;"><span style="background: white; color: #222222;"><span style="font-family: inherit;">Sim, ali estava apenas uma parte da família de minha mãe, uma
parte de toda riqueza imaterial que nos trouxe até aqui. Sim, foi uma festa
rever tio Noquinha, tia Zilda, tia Julinha e muitos outros. Ainda assim, feliz
e sensibilizado com a experiência e sabedor da senha desse código do viver, revisitei uma sensação
desconfortável: nós, os mais jovens, as segunda e terceira gerações, deveríamos
estar mais próximos e unidos para enfrentar os desafios desse tempo, mantendo
alguns valores históricos. A riqueza material média que temos, maior que a
da geração anterior, passa a falsa sensação de que somos melhores ou mais
fortes e não fará brotar nos amigos de ocasião os sentimentos e emoções que ajudam a
explicar a trajetória da família até aqui. Não podemos nos esquecer de que sozinhos
não vamos longe e que é muito rico, raro e nobre o que move os que realmente
escolhem estar ao nosso lado nessa dura caminhada pela vida.</span></span></p><p></p>Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-16119884834783620222020-09-23T12:03:00.020-07:002020-11-25T08:54:42.194-08:00O trabalho de aprender<p><span style="font-size: 12pt; text-align: justify;">Seropédica, 23 de setembro de 2020. Relembro aqui o momento bem crítico em que, numa festa de criança, conversava com um conhecido sobre a nossa realidade e a mundial. </span><span style="font-size: 12pt; text-align: justify;">Aconteceu assim que o Temer assumiu, que o golpe parlamentar contra o governo da Dilma procedeu.</span></p><p><span style="font-size: 12pt; text-align: justify;">Na ocasião, meu interlocutor disse que eu não podia falar ‘mal’ do governo, que não havia nada de golpe, e que, sendo um acadêmico, um intelectual, eu era um ‘teórico’, um ‘eterno estudante’, alguém que vivia fora da realidade ou numa realidade à parte. Infelizmente, n</span><span style="font-size: 16px; text-align: justify;">o calor da hora, não me ocorreram as palavras que agora me acorrem com facilidade e alegria.</span></p><p><span style="font-size: 12pt; text-align: justify;">Ele, um ‘empreendedor’ do varejo Seropedicense, continuou falando e não conseguiu explicar-me o que seria tal realidade e como e porquê dela eu distava ou a desconhecia. </span><span face=""Calibri Light", sans-serif" style="font-size: 12pt; text-align: justify;">O impacto daquela atitude tamanha em burrice arrefeceu severamente meu ânimo e ideias, pois só consegui dizer: "Estou curioso para saber qual é o papel que você desempenha na criação e produção da realidade em que vive e que lhe permite o luxo de conversar com um estranho de uma outra realidade". </span></p><p><span face=""Calibri Light", sans-serif" style="font-size: 12pt; text-align: justify;">Sem responder, a figura – um desses que crê estar ao lado de um banqueiro na produção da realidade brasileira – preferiu partir para as tradicionais frases feitas e derivações delirantes que o afastaram abruptamente do tema. Típico p</span><span face=""Calibri Light", sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; text-align: justify;">anfletário do “você trabalha ou só dá aula?”, ele conseguiu a façanha de colocar o ‘só dá aula’ numa realidade à parte da que ele cria estar e na qual parecia desfrutar de condição privilegiada, pois sentia-se autorizado não apenas a desconstruir ou desabilitar alguém que com ele não se parecesse, como a também subtraí-lo da realidade.</span></p><p><span face=""Calibri Light", sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; text-align: justify;">Esperando
a hora de ver aquela interação findada, pensava não apenas na desabilitação do
professor que sou, mas principalmente na figura do estudante, no encarceramento dele no não-lugar chamado
‘eterno estudante’; ironicamente, lembrava que não fazia muito tempo que o nobre carcereiro havia
se formado num curso superior. Lamentavelmente, c</span><span face=""Calibri Light", sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; text-align: justify;">omo
muitos outros, ele realmente não sabia ou esquecera do mundo de competências ou
habilidades que um estudante intuitiva e tacitamente aprende e desenvolve em sua viagem
rumo à toda aprendizagem formal que lhe proverá outras competências e habilidades (codificadas); que tais qualificações e habilidades prévias somam-se às
dos professores na viabilização da aprendizagem por meio do processo
ensino-estudo; que todo estudante labora um bocado, pois
aprender, por mais lúdico que deva ser, ‘dá trabalho’. </span></p><p><span style="background-color: white; color: #222222; font-size: 12pt; text-align: justify;">Abro nesse momento as
comportas das lembranças dos 45 anos em que estou fora da realidade, já que desde os quatro, quando
comecei, jamais parei de estudar. Diante as imensas dificuldades de compreender de maneira
linear e ainda devidamente representar em minha mente os conteúdos de matemática,
línguas, ciências etc., lembro que precisei de muitas soluções incomuns e improvisadas para chegar a algum
aprendizado. Lembro-me com prazer de quando comecei a usar de metáforas,
associações criativas de palavras e símbolos, de exercícios de imaginação e
visualização e de construção de esquemas e estruturas para acessar melhor os
conteúdos. </span></p><p><span style="background-color: white; color: #222222; font-size: 12pt; text-align: justify;">Como foi prazeroso pra mim colocar-me na posição de um montador ou
construtor ou design ao combinar elementos para construir textos ou dar conta
das desafiadoras análises sintáticas e morfológicas da Dona Inácia e da Maria da Penha</span><span style="background-color: white; color: #222222; font-size: 12pt; text-align: justify;">. Não menos prazerosa foi a condição
de sentir-me um decifrador ou investigador ao deparar-me com a necessidade de
solução para problemas matemáticos: “Pistas, precisamos achar as pistas que levam às soluções; não tem só uma”, ensinou-me o primo Fernandinho. Quantas vezes estive na intuitiva e
misteriosa condição de alquimista antes de encarar os desafios de física e química:
eu tentava visualizar como ocorreria cada interação de elementos antes de
enfrentar as transformações químicas e físicas solicitadas no papel à frente. Por fim, que dizer da criteriosa e detalhista condição de cartógrafo e desenhista ao
traçar os mapas necessários para lidar com tanto informação espacial e temporal
que geografia e história mobilizavam?</span></p><p><span style="background-color: white; color: #222222; font-size: 12pt; text-align: justify;">Toda essa informação não foi encarada de maneira linear, nem foi lógica e
convenientemente acomodada em nebulosos endereços de memória de curto ou longo
prazo; fizeram-se necessários mapas, esquemas, estruturas, setas para lá e para
cá e pontos-chave depositados em folhas em branco para depois
serem devidamente lidos e relidos. Precisei e muito ver-me nessas condições para
enriquecer e potencializar as aprendizagens necessárias à minha caminhada à margem da realidade. </span></p><p><span style="background-color: white; color: #222222; font-size: 12pt; text-align: justify;">Destaco também o que aconteceu quando comecei a superar os dramas da gagueira, na sexta-série; eu e
Márcio Pena costumávamos voltar à pé aos sábados do Colégio Fernando Costa e, numa dessas
caminhadas, ele disse que o Beto Guedes era gago e cantava e que eu deveria
tentar ‘falar cantando’ ou ‘encarnar uma personagem’ para superar o problema e
dar conta das leituras exigidas pelos professores; nos sábados seguintes, ele
pedia que durante a caminhada fôssemos interpretando personagens num teatro improvisado.
Assim, com a ajuda de um estudante de 14 anos, comecei, aos 15 anos, a vencer a gagueira, a melhorar meu desempenho social e de
estudante. </span></p><p><span face=""Calibri Light", sans-serif" style="color: #222222; font-size: 12pt; text-align: justify;">Ironicamente,
lembro-me também de como precisei ser 'empreendedor' e 'inovador' no pensar e agir para
lidar com a frustração de não ter conseguido falar corretamente inglês com o
presidente de uma empresa em que trabalhei. Nesse mesmo dia, assistia à noite um programa sobre a
ida do homem à lua quando pensei: “se o homem foi à lua na década de 60, por
que não vou falar inglês em 1997? vou falar!”; disse a mim mesmo: “existe o
que eu não conheça – que aliás é muita coisa! –, mas não existe o que eu não
possa conhecer”. Desliguei imediatamente a TV, fui a um curso de inglês e me
matriculei num intensivo de cinco dias por semana. Terminei esse curso em onze
meses, com apenas três faltas e muita aplicação de velhas e novas habilidades e
competências intuitiva e tacitamente obtidas. </span></p><p><span style="color: #222222; font-size: 12pt; text-align: justify;">Bem, não foi o pensamento
utilitário e o incentivo – o respeito dos que me viram falhar ou a redução da
vergonha – que explicaram e responderam por isso; foi pensamento substantivo, consciência
acurada da realidade, determinação e motivação intrínsecas comuns àqueles que
respeitam e admiram o conhecimento, a sua produção e o trabalho que dá aprender, que me levaram ao insight de que não existe o que eu não possa estudar, compreender, aprender, por mais trabalho que isso dê. </span></p><p><span style="color: #222222; font-size: 12pt; text-align: justify;">Atualmente, eu e meu carcereiro-empreendedor só nos encontramos pelas redes sociais e não trocamos mais que o indispensável para uma convivência digital vazia e protocolar; todo comedimento faz-se necessário para que não descambe em infrutíferas discussões em uma timeline. Ele se encontra na fase de assumir em suas postagens que o governo atual é um fracasso, embora não assuma que embarcou ingenuamente na grande fantasia de que viraríamos uma nova América. S</span><span style="color: #222222; font-size: 12pt; text-align: justify;">egundo ele, o país precisa estar na 'ponteira das tecnologias' para ser mais produtivo e eficiente.</span></p><p><span style="color: #222222; font-size: 12pt; text-align: justify;">Tecnologia, como sabemos, precisa de gente que estuda e ensina com incentivo, motivação, prazer e competência; gente que, segundo ele, geralmente vive à margem da realidade em que ele se encontra. Creio estar chegando o momento em que nos reencontraremos e poderei lhe falar tudo o que só me ocorreu quando não precisava mais dele me defender. Terei a obrigação de reivindicar o reconhecimento dele do devido e imperioso lugar ocupado pelos que ensinam e estudam na produção dessa realidade que a todos desafia.</span></p>Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-64978981774374647712020-08-11T14:49:00.084-07:002022-04-26T10:07:33.521-07:00O chamado<div style="text-align: justify;"><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: black; font-size: 13.5pt;"><span style="font-family: inherit;">A vacilante atenção que dou ao desejo
de escrever (ou como acolho o eu-escritor) é uma questão que me incomoda bastante. Desejo mas não persevero. Um sintoma é ter começado vários textos e terminado apenas um
livro que escrevi para meu filho. As elaborações que faço não conduziram a um
entendimento apurado dessa vacilação. Em primeiro de julho de 2020, entretanto, um evento inesperado, marcante, atravessou </span></span><span style="font-size: 18px;">essa questão, </span><span style="font-family: inherit; font-size: 13.5pt;">está reverberando e ainda não consigo avaliar suas </span><span style="font-size: 18px;">consequências</span><span style="font-family: inherit; font-size: 13.5pt;">.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: 13.5pt;">Há anos o devido acolhimento ao eu-escritor vem se arrastando, hesito em
consolidar essa dimensão da minha experiência identitária. Quando não duvido e
subavalio minhas competências, ataco o desejo, chamando-o de ‘fantasia
estendida para lidar com a dura consciência de que se é alguém comum’. Isso revela
uma representação glamorosa que fiz do escritor e péssima da vida rotineira; também
pontua uma postura muito dura comigo mesmo. É algo da ordem do sequer dizer: ‘puxa,
sou um escritor’ ao entrar em contato com algumas coisas que escrevo,
preferindo referir a mim como </span><a href="https://www.blogger.com/blog/post/edit/4937271755673063360/6497898177437464771" style="font-size: 13.5pt;"><span style="color: blue;">diarista</span></a><span style="font-size: 13.5pt;">. Sei que há um contraditório exigente
permeando a questão: assim tenho me visto desde que comecei a fazer registros,
mas fazê-los sempre foi prazeroso e uma via bem eficaz para lidar com a matéria
densa do viver.</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: 13.5pt;"><span style="font-family: inherit;">“Por que lido assim com o que me mobiliza e dá prazer?”, vivo a me
perguntar, sem me responder contundentemente. É uma experiência muito
ruim, pois, se não consigo determinar quem sou em relação ao desejo de
escrever, também não consigo ser contundente para lidar ou fazer calar vozes
sorrateiras da intuição reclamando atenção ao desejo; vozes que se aproveitam
de brechas abertas por pensamentos sobre o rumo que dou a minha vida para
aumentar o tom. Nessas ocasiões, emerge uma péssima e arrastada experiência de
insatisfação e desconforto no dia-a-dia, uma permanente sensação de não-lugar
me dominando, potencializando pensamentos como: “Você realmente continuará a
fazer ‘esse mesmo’ em sua vida? E o escrever? Vai lá, diga: quem é você? Cadê
os papeis, lápis e canetas para a ação? Cadê o computador? Os livros, por que
não os está lendo?”. </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: 13.5pt;"><span style="font-family: inherit;">Recentemente, depois de horas envolvido na confecção do trabalho de conclusão de
curso de psicologia, me deitei para descansar e logo vieram muitos pensamentos e
as sorrateiras [vozes] se fizeram presentes: “Há cinco meses você trabalha diariamente
com isso, já tem quase 100 páginas. Por que não investir o mesmo e escrever uma
história ou terminar uma das muitas que já começou e parou?”. Recorri à
tradicional cesta de desculpas para responde-las: comecei pela defesa das
demandas imediatas que emergem da vida de docente e de aluno de psicologia,
passei pelas justificativas de obras e outros imprevistos em casa, para
terminar com o frustrante ‘um dia, quem sabe, quando vier a aposentadoria de
professor, eu me ocupo disso’. Aí é que as sorrateiras não se calaram: numa
noite em que tive muitos sonhos, elas aproveitaram todas as vezes que despertei
para iniciar diálogo. </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: 13.5pt;"><span style="font-family: inherit;">No dia primeiro de julho, essa questão sofreu uma inflexão extraordinária. Deitado para avaliar a pressão arterial, ouço o telefone tocar,
mas não atendi. As chamadas continuaram e decidi que, ao terminar a medição,
atenderia. Quando atendi, me deparei com uma tela diferente da
tradicional: era a primeira vez que recebia ligação via facebook. Ao vir o nome João
Carlos Luz na tela, me assustei e levantei na hora. Atendi e o inusitado começou: “Marco Bauhaus? É João
Carlos luz!”. Ele queria saber se podíamos conversar mais, falou que estava preso em
casa pela pandemia e, para fugir da rotina, começou a vasculhar quem eram os
amigos do facebook que de imediato não os reconhecia. Veio uma sequência de
perguntas que certamente fizeram minha pressão, que é baixa, ir às alturas:
“Diz pra mim quem é você, Marco Bauhaus. O que você faz? Sabe quem eu sou? De
onde nos conhecemos? Vamos lá, vamos papear um pouco aproveitando essa
oportunidade que a pandemia nos faculta!” Antes que lhe respondesse, ele comentou
que, devido ao nome Bauhaus, julgava que eu não fosse uma pessoa qualquer.
Derivou sua fala para a escola Bauhaus, a República de Weimar, o que o nazismo
havia feito com a Bauhaus e como podiam ter colocado todas aquelas pessoas
incomuns para fora da Alemanha. </span></span><span style="font-family: inherit; font-size: 13.5pt;">Expliquei que Bauhaus era apelido adotado quando fui aluno do
CTUR, em 1989, mas estava mobilizado pelo susto que sua inusitada aparição me
deu. </span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-family: inherit; font-size: 13.5pt;">Não era uma visita qualquer: João Carlos Luz, além de grande músico, é uma especial personagem de um conto que comecei a escrever e não
terminei, um dos que mais faz a alma doer quando lembro do não perseverar no
desejo de escrever. Até então nos falamos apenas uma vez, em 24 de junho de 2017,
na praça Nelson Mandela, em Botafogo. </span><span style="font-family: inherit; font-size: 13.5pt;">Ele tocava sozinho seu clarinete quando
saltei do ônibus e ia em direção à padaria Le Depanneur. À época decidi que nesse
dia faria um roteiro cultural por Botafogo, visitando livrarias e cinemas para
extrair elementos para dar continuidade à ideia de um conto que me ocorreu no
lançamento do livro ‘Despreparação para a morte’, de Roberto Bozzetti, na noite
anterior, 23. Não cheguei à padaria: além da música dele chamar muita atenção, uma situação única rolava: ele tocando chorinho sem
plateia e, a alguns metros dele, dezenas de pessoas participando de uma
pregação religiosa e viradas na direção dele. A cena me marcou: ele mais que
tocava chorinho: sozinho, disponibilizava, em praça pública e aos olhos e
ouvidos de quem tivesse um mínimo quinhão de sensibilidade, um bravo ato de
resistência cultural. Com coragem e simplicidade, fazia os sons da sua arma
(clarinete) soar pela Nelson Mandela. A cena era chocante e irônica demais para
um lugar com o nome Mandela. Decidi que participaria da resistência cultural e
tentaria fazer dele uma das personagens do conto. Pedi que tocasse André de
Sapato Novo, que o fez magistralmente; tocou mais algumas músicas e, ao final
da sequência, compartilhei o prazer de ter participado da situação, expliquei
brevemente a ideia do conto e fiz duas perguntas. Respondeu que estava ali por
prazer e que eu poderia incluí-lo como personagem do conto. Elogiou a
iniciativa e me passou o contato para segui-lo na rede social e informá-lo
sobre o conto. </span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: 13.5pt;"><span style="font-family: inherit;">Passados três anos, ele é quem me acorreu numa cena e contexto também
chocantes e de resistência, mas lamentavelmente marcados pela covardia de uma
personagem diante o próprio desejo. Assustado e envergonhado, andava pela sala
e buscava palavras para dizer que não terminei o conto. Ironicamente, vi na
mesa o computador e, ao lado dele, meus cadernos de registros e várias canetas,
todos usados para o TCC do curso de Psicologia. Vi Rosângela tirando 'minhas armas' da mesa para colocar
sobre ela o almoço. Pensei: “É o cotidiano se impondo às vacilações de quem,
podendo transformá-lo, simplesmente não o faz; é sinal de que em poucos minutos
eu mais uma vez me calarei com a ‘boca de feijão’ e arrastarei pela tarde a angustiante
sensação de não-lugar”. </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: 13.5pt;"><span style="font-family: inherit;">Educadamente, João Carlos Luz ouviu as desculpas e disse: “Lembro-me
vagamente dessa situação, mas por que não terminastes o conto?”. Não tive
coragem para dizer que foi por covardia. Aproveitando meu silêncio, ele completou:
“Então estou falando com um escritor. Quando terminar, me avisa. Quero
ler”. </span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: 13.5pt;"><span style="font-family: inherit;">Porque não é todo dia que uma personagem procura o escritor, não foi uma
ligação qualquer, foi um chamado. Em verdade foi o chamado: a personagem chamou o escritor para se assumir e se autorizar na ocupação de um tempo e lugar em sua própria vida, exortou-o a pegar suas
ferramentas para atender aos chamados do próprio desejo, ainda que por vezes
seja necessário fazê-las de armas na resistência contra ameaças ao desejo. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;"><span style="font-size: 13.5pt;"><span style="font-family: inherit;">Em
meio à tensa situação, buscando palavras para honrosamente agradecer,
lidei com a sutil ironia do título do conto inacabado ser ‘Preparação para a
vida’. Preparação para uma vida que há pouco completou três anos e vive me
exigindo um efetivo começar.</span></span></p></div>Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com15tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-73962592306473192142020-08-04T14:37:00.018-07:002020-08-07T02:52:39.535-07:00Corrompido por Lucrécio, Luis Carlos, Cidinha, 14 Bis, Beatles e a Melodia-FM<div><p class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><font face="inherit"><span style="color: #333333;">Recentemente elaborei a
restituição do <a href="http://codigosdoviver.blogspot.com/2020/04/do-delicado-em-mim.html" target="_blank"><span style="color: #6699cc; text-decoration-line: none;">delicado</span></a> à pauta da minha vida. Vida como homem que quis ser,
em contraste com o homem que meu pai, tios e o tempo deles queriam que eu fosse.<u1:p></u1:p></span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></font></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;"><font face="inherit"><span style="color: #333333;">Embora
eu tenha bem claro comigo alguns dos efeitos de não submeter-me à dura forja de
vir-a-ser homem dos meados dos anos 80 – de ter crescido ouvindo que “filho meu
não pode ser gay, ladrão, drogado ou comunista” –, ainda não tinha devidamente
elaborado alguns detalhes desse processo, como o das forças que atuaram nos subterrâneos daquela bucólica Seropédica e das minhas demandas naquele momento.</span></font></p><p class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;"><span style="color: #333333;"><font face="inherit">P</font></span><span style="caret-color: rgb(51, 51, 51); color: #333333;">ara que lançasse-me na aventura de viabilizar um jeito de ser homem mais autoral (o máximo possível autêntico, original, ainda que bem idiossincrático) </span><span style="color: #333333; font-family: inherit;">foram necessários mais que meus estranhamentos e desconfortos existenciais que levaram
ao conflito e à desidentificação com meu pai. Algumas forças, somadas às circunstâncias,
contribuíram para que um instituído cedesse a um inusitado e atraente instituinte
que, sorrateira e cuidadosamente, agiu pelas bordas naquelas teias de
relações sociais e familiares tecidas (entre 1981 e 1986) no perímetro entre as ruas Tharssis e Paula, Albertina Rosa, Solange de
Barros e Ana Fraga.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;"><span style="color: #333333;"><font face="inherit">As
palavras que aqui trago, entretanto, não darão conta do cáustico que foi essa
institucionalização, do doloroso processo que fez com que um adolescente rompesse
com a identificação com seu amado pai e se lançasse na aventura de viabilizar
um homem diferente daquele da conhecida forja que seu meio machista oferecia. Talvez seja mais correto dizer 'institucionalização do homem que eu pude ou posso ser',
algo diferente daquele que quis ser, pois, até que a noção de homem possível
emergisse, tal institucionalização foi marcada pela mistura conflituosa entre
fantasias, projeções e definições rígidas de como eu não queria estar no mundo
e que tinham meu pai e tios como referência principal (Sim, este processo tem
sua origem nos conflitos mal resolvidos do processo edipiano e que estendeu-se
mais do que necessário, pois meu pai, equivocadamente, teve ciúmes de mim com
sua segunda esposa, o que produziu mal estar constante entre nós até que, em
1989, eu e minhas irmãs nos mudássemos para outra casa).</font></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;"><font face="inherit"><font color="#333333">De
repente, no desenrolar dos conflitos da adolescência, aos 14 anos, dei-me conta de que meu pai e eu estávamos bem distantes um do outro, apesar de morarmos na
mesma casa; nossa relação estava bem deteriorada. À época, emergia em mim o
desconfortável sentimento de estar perdido, sem rumo ou direção na vida, e, lamentavelmente, não sentíamo-nos
próximos o suficiente para amenizar isso tudo. Tanto é que não me lembro dele
falando para mim sobre futuro, sobre o que eu poderia fazer ou deveria tentar fora do
rígido conjunto “filho meu não pode ser gay, comunista, drogado ou ladrão” e sem a influência do
seu temor de que corrompesse-me, desvirtuasse-me, e saísse do ‘caminho certo’. Lembro-me que havia nele tanto medo de que eu ficasse curioso com ‘essas coisas’, que não
houve flexibilidade para perceber que eu demandava receber ou conhecer outras
coisas, como as do amor, entre um homem e uma mulher ou entre irmãos ou entre
pais e filhos. Demanda latente e evidente em mim, pois,
hipocondríaco, medroso, gago, inculto e de baixa-autoestima como estava naquela
fase, dificilmente confrontaria suas ordens e iria aos furtos ou às drogas ou aderiria
a grupos ideológicos. Eu era ligado nas coisas da sexualidade, mas também muito ligado ao amor, nos dramas afetivos, e isso era
visível na maneira como conectava-me com as músicas sertanejas e aos seus e aos meus dramas com a morte da minha mãe. Assim que ela se foi, dormi muitas vezes
com ele e também chorei enquanto ele chorava, provavelmente por ela. Nessas ocasiões, sempre tinha ao fundo uma música tocando no rádio que raramente era desligado.</font><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></font></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;"><span style="color: #333333;"><font face="inherit">Músicas
e rádios são elementos marcantes da nossa história (também na com meus tios e
primos) e estão no cerne dessa institucionalização de um outro vir-a-ser homem.
Alguns eventos dessa fase estão bem vívidos. Lembro-me de ver meu pai e tios
tomando cervejas e ouvindo música, emocionando-se e dirigindo seus pensamentos
para mulheres que parecia-me não serem aquelas que estavam na sala ao lado. Outro evento foi o dia em que eu assistia ao
Gilberto Gil cantando Refazenda na TVE, e, abruptamente, meu pai veio e
desligou a televisão dizendo que na casa dele não tocaria música de comunista.
O cerco dele fazia-se bem sentido quando elevava as críticas às performances de
Homem com H do Ney Matogrosso em programas que ele assistia. <o:p></o:p></font></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: justify;"><font face="inherit"><span style="color: #333333;">Aos poucos,
porém, a identificação que tanto tive com as músicas sertanejas e danças (como
o rastapé) foram perdendo sua força. As rádios Capital e Record foram
substituídas no meu gosto, primeiro pela rádio Mundial, por influência da Cidinha,
que tomava conta de mim e das minhas irmãs, e, depois, pela rádio Melodia,
influência dos primos Lucrécio e Luís Carlos, irmãos, que moravam a duas casas
da minha; Sérgio Reis, que era o ícone da nossa convergência, foi suplantado
pelos Beatles, o ícone da nossa divergência; a FM suplantava a AM na
constituição da rotina da minha vida (Até que entre mim e a AM houve um
reencontro por meio da minha controversa conexão com às rádios MEC-AM, CBN e
Tamoio, Programa Recordações Saudade, do Jose Duba). <u1:p></u1:p></span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></font></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;"><font face="inherit"><span style="color: #333333;">Eu
era bastante identificado (e ainda levo alguns resquícios)
com o seu hábito de ouvir músicas sertanejas na garagem lá de casa,
principalmente no final de semana, ocasião em que bebia umas cervejas e,
calado, fechava-se num mundo só dele, colocava seus pensamentos sabe-se lá
onde, presumidamente nas experiências afetivas que teve com minha mãe, com a
trajetória da história deles. A identificação foi tanta que até hoje lembro das
músicas, em especial de <a href="https://www.youtube.com/watch?v=GUD8JdmyDJg" target="_blank"><span style="color: #6699cc; text-decoration-line: none;">Cama de casal</span></a>,
de Chitãozinho e Chororó. Era tocar essa música e ele ficar visivelmente sensibilizado,
chorando lá no fundo da garagem, perto do som, com o copo de cerveja, sem falar
abertamente para mim, que por aquele espetáculo era continuamente atravessado e maculado. Essa,
somada à experiência do encontro entre ele e os irmãos e amigos para tomar
cerveja e se emocionar por amor, foi a minha única escola de aprendizagem do amor até
que emerge o instituinte que me corrompe.<u1:p></u1:p></span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></font></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;"><font face="inherit"><span style="color: #333333;">Aquelas
aprendizagens sobre o amor não me faziam nada bem e, à época, achava que delas
conseguiria fugir; ingenuamente, costumava dizer-me: "chorarei de alegria pela
mulher que estará ao meu lado". Abri-me então à influência da Cidinha e de suas
aventuras pelo amor, às histórias de como havia sido o baile no Clube
Seropédica no final de semana e das músicas que eles gostavam e diziam ser a “nossa
música”. Cuidando da gente e da casa, ela sintonizava o rádio na Mundial
(AM-860) e adorava os programas do Alberto Brizola e do Oduvaldo Silva (show
dos bairros). Quando tocava as que mais gostava, ela parava e suspirava. Eu
adorava ver aquilo. Meu pai, Aloísio e Abeilardinho até criaram uma discoteca
na Igreja São Benedito, em 1985, e lá aprofundei-me nessa linha, mas o forte
eram músicas românticas e de discoteca estrangeiras que tocavam nas novelas.<u1:p></u1:p></span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></font></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;"><font face="inherit"><span style="color: #333333;">Um
dia, quando Lucrécio manobrava na esquina o chevette branco do pai, seu Nemésio, ouvi uma música que de pronto me tomou-me de assalto, mexendo bastante comigo.
Lembro dele me respondendo: “é Linda Juventude, do 14 Bis, na rádio melodia,
FM-91,7. É isso que você tem que ouvir”. É o marco da minha entrada no mundo
FM, na MPB que não a caipira e as melosas que a Cidinha tanto gostava de ouvir o
Oduvaldo Silva anunciar. Pelo Lucrécio, cheguei ao Luís Carlos, figura
espetacular, apaixonado pelos Beatles e que fazia para mim uns desenhos irados
de gente tocando guitarra, com umas mensagens muito loucas (que passei a colar
na parede do meu quarto e ter problema com meu pai). Desenhos feitos na parte
de trás de cartazes de cigarros que eu pegava nos bares ali perto. Com Luís
Carlos, ouvi minha primeira música dos Beatles, Yesterday. Passei a ir direto à
casa deles, para sofrimento da Dona Conceição, para ouvir os Beatles; em casa,
pedia ao meu pai para ter um rádio para escutar a Melodia, afastando-me progressivamente
das aprendizagens com a Cidinha e com ele.<u1:p></u1:p></span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></font></p>
<p class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;"><font face="inherit"><span style="color: #333333;">O
amor que eu queria cantar era do 14 Bis (nem tanto o dos Beatles, que virou
minha banda favorita) e que tinha na música <a href="https://www.youtube.com/watch?v=zHdZi7R7Uf8" target="_blank"><span style="color: #6699cc; text-decoration-line: none;">Nova manhã</span></a> a
principal referência. Talvez falasse-me essa música de um amar que, ainda que
com pontas de dor, tivesse elaboração mais positiva da experiência, que me
tirasse do fundo daquela garagem e me lançasse no mundo, em um novo dia, em uma
nova manhã, enfim, em outras possibilidades de sorrir e chorar por amor que
logo voltassem os envolvidos aos risos.<u1:p></u1:p></span><span style="color: #333333;"><o:p></o:p></span></font></p><p class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;"><font face="inherit"><span style="color: #333333;">O instituinte estabeleceu-se e, para permanecer, exige-me um continuo processo de reelaboração de suas motivações. Tornou-se farol na formação da minha identidade, produção da minha subjetividade e navegação pela vida. </span><span style="color: #333333;">Passados
35 anos, onde fui parar? Saí da garagem, estou na estrada, nesse desafio
de viabilizar um ser homem em estruturas e orientações flexíveis, mais adaptativas que as do meu pai e do seu tempo. Tornei-me pai e meus filhos são os que têm a dizer algo sobre isso. Meu pai ficou naquela garagem e fez dela o seu lugar, permanecendo fiel e
perseverante no que desejava para ser o homem que foi ou pôde ser: o gorilão da horda, o
mítico Antônio Goulart, o Ratão, o amado Mineiro. Entre as muitas coisas que admiro
nele, tem lugar especial para mim o quanto ele perseverou no desejo dele. Levo
comigo a impressão de que estou perto de achar o meu ‘lugar’, um em que talvez me assente e possa lidar mais produtivamente com o perseverar no que desejo, o
estabelecer regras e interdições (quem sabe a mim mesmo), o entrar em contato com
os atraentes e corruptíveis instituintes e o fazer o devido luto dos destituídos. </span></font></p><p class="MsoNormal" style="background-color: white; background-position: initial initial; background-repeat: initial initial; text-align: justify;"><font face="inherit"><span style="color: #333333;">'Soltando as palavras nas estradas', </span><span style="color: #333333;">estou a caminho e </span><span style="color: #333333;">realizo que as palavras de Milton Nascimento que tanto me marcaram
três anos à frente (1989) </span><span style="color: #333333;">tomam outro sentido para mim. O </span><span style="color: #333333;">“minha casa não é minha e nem é meu esse lugar” vai sendo ressignificado, pois a</span><span style="background-color: transparent; line-height: 107%; text-align: left;"><span style="color: #333333; text-align: justify;">quela era mais do que minha casa -- era o meu lar -- e Seropédica é sim meu lugar. </span><span style="text-align: justify;"><font color="#333333" face=""><span>A
ideia era ser o máximo possível autêntico, original e idiossincrático, mas fui
atravessado pelas palavras e cenas daquela época e elas estão impressas na
memória, acionando facilmente fortes emoções. </span></font></span></span><span style="color: #333333;">Sei de cor todas as músicas que embalavam meu pai e tios, como sei as do 14 Bis, dos Beatles e do Milton Nascimento.</span><span style="color: #333333;"> Fica uma aprendizagem importante: ao </span><span style="color: #333333;">não</span><span style="color: #333333;"> dar conta da importância do perseverar no desejo e de enfrentar os inevitáveis conflitos que isso faz emergir, aprendi a buscar rotas alternativas para chegar aos meus objetivos, o que tem um preço bem diferente do de preservar. Tais rotas, longas e sinuosas, trouxeram-me até os 49 anos e sei onde ficam os atalhos que me levarão àquela garagem para reconciliar-me com meu pai.</span></font></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><font face="inherit"><br /></font></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="color: #333333; line-height: 107%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><font face="inherit">Nova Manhã - <a href="https://www.youtube.com/watch?v=zHdZi7R7Uf8">https://www.youtube.com/watch?v=zHdZi7R7Uf8</a><o:p></o:p></font></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="color: #333333; line-height: 107%; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><font face="inherit">Cama de Casal - <a href="https://www.youtube.com/watch?v=GUD8JdmyDJg">https://www.youtube.com/watch?v=GUD8JdmyDJg</a><o:p></o:p></font></span></p></div><div><font face="inherit"><br /></font></div><div><font face="inherit"><br /></font></div><br />Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-42138801086828497722020-05-01T18:11:00.003-07:002021-12-24T08:51:15.830-08:00Lembrar e esquecer, para seguir em frente<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Em meio à pandemia me fiz muitas perguntas, mas recebi três que me
chamaram atenção: (i) se já havia nascido em mim algo que levaria para o resto
da minha vida, (ii) o que deveria fazer mais e (iii) o que deveria deixar de
fazer. Nenhuma dessas perguntas eu havia me feito, confesso, embora desde o seu
início o isolamento forçado tenha sido um convite a uma viagem pelos interiores
da casa, do lar e de mim mesmo, convite que a ele não declinei e que me rendeu
muitas reflexões.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Ao pensar sobre o que nasceu em mim durante a pandemia e que
levaria para o resto da minha vida, me deparei com uma grande ironia: o que nasceu
em mim na experiência de grande vulnerabilidade que é essa pandemia fora de
controle é a consciência de que preciso aprender a morrer. Com a pandemia, a
morte, sempre tão próxima e ignorada por mim, ficou tão evidente e tão dentro
da pauta de pensamentos de todos. Comecei a compreender que temos que ser
educados para a vida e para a morte. No meu caso, nada tão simples, pois
contrasta com algumas crenças que embalaram minha corrida pela vida: sempre cri
que viver é, acima de tudo, lutar para não morrer. De repente, tudo mudou e
contrário às minhas vontades e às referências que tinha dessa luta. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">A mudança brusca de rotina, as forças que me impuseram um jeito
de viver contrário ao meu desejo, o afastamento de quem amo e do que desejo, a
solidão, a dificuldade de encontrar a solitude, a perda de controle sobre as
coisas, o inimigo invisível e mortal...tudo isso me mostrou que nada sei sobre
despedidas, resignação, conviver melhor com contrariedades, impotência,
angústia de viver e de ver e sentir isso escorrer pelas mãos e sem caber em
palavras. Sei o que é querer, mas nada sei sobre deixar ir ou deixar para trás;
sei sobre sair e voltar, mas nada sobre ir sem olhar para trás. O isolamento
deixou isso claro para mim.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Em isolamento forçado, me vi visitando realidades desagradáveis,
doídas, como estar a dois metros da minha filha e não poder abraçá-la para
evitar contaminação, de ir embora para minha casa sem saber se vou vê-la
novamente. Principalmente, me vi revisitando situações, momentos, lugares e
pessoas, onerando perigosamente meu psiquismo com duras lembranças e
sentimentos tristes quando precisava dele o máximo saudável. A senha estava
clara: associado ao meu não saber morrer está o meu não saber fazer luto.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">À espera de um recomeço da vida, para começar a aprendizagem
sobre a morte, decidi que a resposta inicial seria, no isolamento, aprender a
fazer luto para fazer o luto de todos os lutos que não fiz. E assim está: com
imenso medo de morrer, começo a aprender sobre morrer, fazendo não um movimento
de desapego em relação ao que tenho e quero ou ao que ainda posso ter e querer,
mas em relação ao que quis, tentei, tive, fiz e que ainda não aceitei ou não
compreendi a sua passagem, investindo energia nisso sei lá por que.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Pensar no que deveria fazer mais e no que deveria deixar de
fazer depois que a vida voltar ao normal também proporcionou um grande
aprendizado. Começando pelo que deveria deixar de fazer, isso ficou bem claro
para mim no dia em que assisti a uma live do Cirque du Soleil. Em
meio ao extasio provocado pelo show que eles entregam, pela apreciação objetiva
da incrível performance, individual e em grupo, realizei que aquilo é possível
porque eles literalmente se entregam de corpo e alma ao alcance dos objetivos e
metas que têm. Enquanto grupo, sabem o que querem produzir nas pessoas,
entendem como cada um pode contribuir com isso, se conhecem e têm confiança uns
nos outros, se comprometem, treinam e aperfeiçoam. Enquanto membro, cada um
daqueles profissionais parece ter uma clareza sobre o que quer para sua vida e
literalmente entrega seu corpo e alma aos papeis que desenvolve. O mínimo sinal
de uma não-entrega ficaria evidente numa performance desapontadora ou pouco
envolvente. Ao realizar isso, me perguntei: “Onde e quando você se entregou de
corpo e alma, Marco?”.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Decepcionado, visitei as memórias e constatei que até então me entreguei
bem pouco de corpo e alma, do amor ao labor; que poderia ter mergulhado nos
diferentes fazeres em que me envolvi, do técnico-administrativo ao docente, passando
pelo profissional de vendas e marketing e pelo ser que gosta de escrever.
Invadi a seara dos meus desejos em busca do porquê, de entender se faltou a
clareza sobre o que queria para minha vida, insegurança sobre minhas
capacidades ou garantias de retorno ou se esbarrei no medo de me perder ou
sofrer. Ainda não encontrei respostas claras, mas defini que o que deixarei de
fazer é o não-fazer ou fazer menos ou fazer pouco, é o deixar de criar sentidos
para minha vida poupando corpo e alma, é o poupar corpo e alma dos riscos do
encontro com o que intuo e sinto ser bom para mim. Talvez precise ser mais
mulher e menos menino ressentido com os dramas que experimentei nessa vida, que
talvez precise dar à luz e cuidar de algo que muito desejo. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Ao pensar sobre o que deveria fazer mais daqui para frente, me dei
conta de que o mais correto seria o que não deveria deixar de fazer. Uma das
coisas que o isolamento me impediu foi ir ao encontro das pessoas, amigos e
parentes, de visitá-las, abraçá-las, de olhar firme em seus olhos e segurar em
suas mãos, de delas e de suas vidas saber, de a suas histórias beber e comer,
de a elas servir, de nelas investir e deixar claro que eu realmente me importo
com elas e que são importantes para mim, de dizer que sou grato ao que por
ventura fazem ou fizeram por mim ou pelo simples fato de um dia nossas
trajetórias terem atravessado umas às outras. Ironicamente, pouco antes da
pandemia havia pensado que buscava mais as pessoas do que elas à mim, que
talvez merecesse reciprocidade, um claro instante de insegurança sobre ser
desejado. Bem, fato é que estou há mais de quarenta dias sem poder fazer o que
afinal muito gosto de fazer, pois muito prazer me dá e aceito que não deveria
ser pautado pela reciprocidade, mas pela perseverança no que acredito e me faz
bem. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Por fim, confesso que demorei a compreender o que Renato Russo
dizia com “<i>Todos os dias/Antes de dormir/Lembro e esqueço/ Como foi o
dia/Sempre em frente/Não temos tempo a perder</i>”. E assim, depois de muito tempo,
esse trecho de Tempo Perdido se tornou base para um mote do resto que ainda me
há de vida: “Desejar, incidir sobre o dia, não temer, fazer, lembrar e esquecer
como foi o dia, voltar a querer, seguir em frente, sem peso a carregar, sem
tempo a perder”.</span></span></p>
Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-62437299604999187352020-04-06T06:35:00.006-07:002021-12-24T08:14:19.979-08:00O encontro de dois meninos<!--[if gte mso 9]><xml>
<o:OfficeDocumentSettings>
<o:AllowPNG/>
</o:OfficeDocumentSettings>
</xml><![endif]--><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><p class="MsoNormal" style="background: white;"><span style="font-family: inherit; font-size: medium;"><span style="color: #333333; line-height: 107%;">Seropédica, 17 de setembro de 2011.
Fui à casa da tia Ana, dia de festa </span><span style="color: #333333;">para os aniversariantes do mês de setembro
e lá são muitos. Todos festejavam, exceto eu, devidamente advertido de que
naquele lugar e exatamente há trinta anos recebia de tia Ana, em companhia
de Neusa e Darcy, a notícia de que minha mãe morreu. Não toquei no assunto e
dele ninguém se lembrou, felizmente. As lágrimas ora as bebia ora sobre elas
sorria. O clássico e pouco inspirador sorriso do autoengano, mas aquele garoto
de 10 anos que um dia fui estava ali e precisava ser acolhido</span></span></p><p class="MsoNormal" style="background: white;"><span style="color: #333333;"><span style="font-family: inherit; font-size: medium;">Ironicamente, era um dia muito
especial para o Marco Souza, um homem de 40 anos. Estava muito ansioso, pois,
depois que saísse dali, entraria pela primeira vez na casa da Angélica, a quem
já amava e demais detalhes de sua vida queria saber. Seria apresentado aos seus
filhos como pretendente dela, não mais como conhecido que se cumprimenta à rua.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="background: white;"><span style="color: #333333;"><span style="font-family: inherit; font-size: medium;">Assim que cheguei à casa de Angélica,
fui avisado de que Carol dormia e Milton estava acordado. Carol foi se preparar
para me receber, mas adormeceu. Quando entrei, Milton, deitado em sua cama, me
olhava com tranquilidade. Seu quarto ficava de frente para a porta da sala.
Meio desconcertado, da porta perguntei se poderia ir até ele para
cumprimentá-lo, mas me disse que não. Logo após, saiu e veio me cumprimentar.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="background: white;"><span style="color: #333333;"><span style="font-family: inherit; font-size: medium;">Percebendo a delicadeza do momento,
fiz questão de terminar de chegar e bem devagar. Fiz movimentos leves, falei
pouco, pedi licença, sequer toquei em sua mãe. Deixei o implícito com seu
misterioso status intacto. Àquela altura e naquelas condições, qualquer
insinuação de objetividade impactaria fortemente o menino de 10 anos, ao mesmo
tempo em que me alçaria à condição de invasivo, uma figura desagradável ao
filho da mulher que me propunha conhecer e abrir espaço em minha vida.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="background: white;"><span style="color: #333333;"><span style="font-family: inherit; font-size: medium;">Na sala, novamente o cumprimentei e,
na esperança de que ele ditasse o ritmo daquele inusitado encontro, esperei que
falasse. Milton me recebeu com simplicidade e simpatia. Fiz perguntas sobre as
coisas das quais gostava e ele foi me apresentando aos elementos do seu mundo.
Apontou para o quarto, foi para lá e da sala eu via os primeiros brinquedos
dele. Convidou-me, pedi licença ao entrar, não toquei em nada, esperei que me
dissesse o que fazer. A primeira coisa que fez questão de mostrar foi a prateleira
com seus bonecos, ressaltando que foi obra do seu pai. Deteve-se na história da
prateleira, deu muitos detalhes. Olhando firmemente em seus olhos, elogiei o
trabalho do pai e a coleção de brinquedos.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="background: white;"><span style="color: #333333;"><span style="font-family: inherit; font-size: medium;">Enquanto fiquei no quarto, me mantive
interessado pelo seu mundo e fiz de tudo para não negligenciar os recados que
sutilmente me passava, um em especial: essa casa ainda pertence a um homem. Um
homem que ele mantinha vivo ali dentro, embora não mais frequentasse o lugar,
nem mais tivesse relação com sua mãe. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="background: white;"><span style="color: #333333;"><span style="font-family: inherit; font-size: medium;">Entre as várias e essenciais razões
para manter o interesse pelo mundo do Milton, uma reclamava atenção: o destino
criou um encontro especial entre dois meninos de dez anos. Era fácil estar
no lugar dele: há aproximadamente trinta anos, não na mesma data,
acontecia algo semelhante comigo. Em minha casa, e pela primeira vez, entrava a
mulher que seria nossa madrasta e ocuparia o espaço que foi da minha mãe, recém
falecida. Lamentavelmente e pouco tempo depois, as condições nas quais se deu a
entrada definitiva dela em nossa casa foram tensas, deixando em mim a certeza de
que não foram respeitados os aspectos simbólicos mais importantes. Durante
muito tempo, foi para mim uma invasão, uma barbaridade, um completo desmantelar
de todo universo objetivo e subjetivo que me localizava no mundo, no tempo.
Construir um novo lar numa mesma casa requer uma engenharia especial, demanda
recursos valorosos e delicados, principalmente amor, paciência, dedicação e
tempo. Não foi assim que aconteceu e tudo mudou: primeiro, uma nova rotina;
depois, os elementos que sinalizavam a presença da minha mãe foram retirados e
ela morria mais uma vez; por fim, mudamos para o bairro Ecologia. A casa de
onde saímos, aquele lar, o meu universo, me dava uma confortante sensação de
pertencimento, algo importantíssimo diante toda transformação que experimentava
naquela fase da vida. A senha para a aprendizagem essencial sobre o viver
estava decifrada: entrar na casa do Milton significava, simbolicamente, entrar
na minha casa e fazer tudo do que jeito que deveria ter sido. </span></span></p><p class="MsoNormal" style="background: white;"><span style="color: #333333;"><span style="font-family: inherit; font-size: medium;">A visita me reservava mais emoções.
Voltamos à sala e em seguida Milton foi ao seu quarto e voltou com uma chuteira
que usava na escolinha de futebol, no Seropédica. Deu-me a chuteira e, ao
tocá-la, olhei novamente no fundo dos olhos daquele menino de 10 anos, calmo,
gentil, receptivo, dono do espaço e da situação. Meu olhar foi do fundo ao longe:
ironia do destino ou capricho deste, um calçado, um tênis, foi o presente que
minha madrasta me deu no dia em que foi à minha casa pela primeira vez. À
época, vivíamos situação difícil, tínhamos pouca roupa em boas condições e o
tênis chamava atenção pela novidade e beleza. Lamentavelmente, em função de
falas e posições de todos envolvidos afetivamente com a situação (parentes e
amigos), prevalecia a interpretação de que era uma tentativa de ‘comprar’ nossa
simpatia (minhas irmãs também foram presenteadas), de ‘driblar’ a
atenção do que era realmente caro: a falta de clareza no projeto de
construção de um novo lar na nossa casa. Como resultado, pouco usufrui do belo
presente, pois aquele simbolismo que emergiu diminuía qualquer benefício
funcional ou social que pudesse me dar.</span></span></p><p class="MsoNormal" style="background: white;"><span style="font-family: inherit; font-size: medium;"><span style="color: #333333;">Quis o
destino que Milton me desse o calçado para segurar. Toquei-o com a mente
voltada para aquele garoto de 10 anos que perdeu a mãe e tinha sua vida
drasticamente transformada. Ao garoto de 10 anos à minha frente eu perguntava
sobre os gols que fazia e se o calçado era confortável e bom para usar. Ao
garoto ‘atrás’ de mim eu disse: “E</span><span style="color: #333333;">ste
calçado que agora seguro serve para mostrar que você deveria ir ao campo da
vida jogar o jogo que não jogou porque não quis usar o calçado cujo presentear
lhe foi tão desconfortável. Vá, vista o calçado, perdoe aquelas pessoas, leve
uma vida mais confortável e faça finalmente esse gol”.</span><span style="color: #333333;"> A mim disse:
“Você entrou, respeite esse universo; continue amando essa mulher e a seus
filhos, ainda que um beijo possa estragar tudo”. Como nada bebia, às lágrimas
novamente sobre elas sorria. Um sorriso de relaxamento, esvaziamento, reparação
e reconstituição que só encontros especiais podem oferecer.</span></span></p></div>
Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-10293219762653635302020-04-01T14:46:00.003-07:002021-10-22T19:36:11.431-07:00Do delicado em mim<!--[if gte mso 9]><xml>
<o:OfficeDocumentSettings>
<o:AllowPNG/>
</o:OfficeDocumentSettings>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:TrackMoves/>
<w:TrackFormatting/>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:DoNotPromoteQF/>
<w:LidThemeOther>PT-BR</w:LidThemeOther>
<w:LidThemeAsian>X-NONE</w:LidThemeAsian>
<w:LidThemeComplexScript>X-NONE</w:LidThemeComplexScript>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
<w:SplitPgBreakAndParaMark/>
<w:EnableOpenTypeKerning/>
<w:DontFlipMirrorIndents/>
<w:OverrideTableStyleHps/>
</w:Compatibility>
<m:mathPr>
<m:mathFont m:val="Cambria Math"/>
<m:brkBin m:val="before"/>
<m:brkBinSub m:val="--"/>
<m:smallFrac m:val="off"/>
<m:dispDef/>
<m:lMargin m:val="0"/>
<m:rMargin m:val="0"/>
<m:defJc m:val="centerGroup"/>
<m:wrapIndent m:val="1440"/>
<m:intLim m:val="subSup"/>
<m:naryLim m:val="undOvr"/>
</m:mathPr></w:WordDocument>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" DefUnhideWhenUsed="false"
DefSemiHidden="false" DefQFormat="false" DefPriority="99"
LatentStyleCount="371">
<w:LsdException Locked="false" Priority="0" QFormat="true" Name="Normal"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" QFormat="true" Name="heading 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 7"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 8"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 9"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 6"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 7"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 8"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 9"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 7"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 8"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 9"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Normal Indent"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="footnote text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="annotation text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="header"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="footer"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index heading"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="35" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="caption"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="table of figures"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="envelope address"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="envelope return"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="footnote reference"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="annotation reference"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="line number"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="page number"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="endnote reference"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="endnote text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="table of authorities"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="macro"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="toa heading"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="10" QFormat="true" Name="Title"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Closing"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Signature"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="1" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="Default Paragraph Font"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text Indent"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Message Header"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="11" QFormat="true" Name="Subtitle"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Salutation"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Date"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text First Indent"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text First Indent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Note Heading"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text Indent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text Indent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Block Text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Hyperlink"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="FollowedHyperlink"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="22" QFormat="true" Name="Strong"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="20" QFormat="true" Name="Emphasis"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Document Map"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Plain Text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="E-mail Signature"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Top of Form"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Bottom of Form"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Normal (Web)"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Acronym"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Address"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Cite"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Code"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Definition"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Keyboard"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Preformatted"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Sample"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Typewriter"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Variable"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Normal Table"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="annotation subject"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="No List"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Outline List 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Outline List 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Outline List 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Simple 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Simple 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Simple 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Classic 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Classic 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Classic 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Classic 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Colorful 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Colorful 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Colorful 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 6"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 7"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 8"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 6"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 7"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 8"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table 3D effects 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table 3D effects 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table 3D effects 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Contemporary"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Elegant"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Professional"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Subtle 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Subtle 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Web 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Web 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Web 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Balloon Text"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" Name="Table Grid"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Theme"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" Name="Placeholder Text"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="1" QFormat="true" Name="No Spacing"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" Name="Revision"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="34" QFormat="true"
Name="List Paragraph"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="29" QFormat="true" Name="Quote"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="30" QFormat="true"
Name="Intense Quote"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="19" QFormat="true"
Name="Subtle Emphasis"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="21" QFormat="true"
Name="Intense Emphasis"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="31" QFormat="true"
Name="Subtle Reference"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="32" QFormat="true"
Name="Intense Reference"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="33" QFormat="true" Name="Book Title"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="37" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="Bibliography"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="TOC Heading"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="41" Name="Plain Table 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="42" Name="Plain Table 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="43" Name="Plain Table 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="44" Name="Plain Table 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="45" Name="Plain Table 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="40" Name="Grid Table Light"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46" Name="Grid Table 1 Light"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51" Name="Grid Table 6 Colorful"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52" Name="Grid Table 7 Colorful"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46" Name="List Table 1 Light"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51" Name="List Table 6 Colorful"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52" Name="List Table 7 Colorful"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 6"/>
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-priority:99;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin-top:0cm;
mso-para-margin-right:0cm;
mso-para-margin-bottom:8.0pt;
mso-para-margin-left:0cm;
line-height:107%;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:11.0pt;
font-family:"Calibri","sans-serif";
mso-ascii-font-family:Calibri;
mso-ascii-theme-font:minor-latin;
mso-hansi-font-family:Calibri;
mso-hansi-theme-font:minor-latin;
mso-bidi-font-family:"Times New Roman";
mso-bidi-theme-font:minor-bidi;
mso-fareast-language:EN-US;}
</style>
<![endif]-->
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um
dia ouvi que uma simples e despretensiosa mensagem pode mudar
significativamente o rumo de um dia ou mesmo da vida de uma pessoa. Isso está acontecendo comigo,
aumentando ainda mais a excepcionalidade desses dias de isolamento que
enfrentamos com o pandemia do covid19. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 20 de março, recebi mensagem
privada de alguém que há muito não via e com quem nunca tive muito contato,
embora estejamos conectados via aplicativo. Conhecemo-nos pelos idos dos anos 90
e nos vimos poucas vezes desde então. A pessoa queria saber o porquê do
afastamento que eu vinha mantendo da rede social. No mesmo dia, manifestei
minha surpresa pela visita virtual e informei que afastei-me porque estava
ficando cético em relação à possibilidade de virarmos o jogo contra essa
polarização que embrutece-nos e piora a qualidade das interações nas redes sociais virtual e física; também confessei indignado que estava me sentindo numa
bolha e procurei fazer algo para não ficar com a crença de que os problemas
estavam nos outros e não em mim, optando por sair da ilha que vira a timeline
de uma rede social e onde nela nos refugiamos; por fim, disse que estava
priorizando a rede social física, aplicando mais compaixão e empatia, assumindo
que o problema também está em mim, procurando rever valores, atitudes e
comportamentos e enfrentando mudanças que me impus e atualmente implicam em
plena reelaboração de mim. Também no mesmo dia, confessou-me ela sentir o
mesmo, embora não use muito a rede social digital e prefira a física e,
procurando ser empática, escreveu: “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Vi
você poucas vezes, mas você me passa certo conforto no trato, acho que por
isso, quando vi que você tinha se afastado, ainda mais nesses tempos de quarentena,
resolvi “visita-lo</i>”, e ainda reconheceu que poderia ter ficado estranho o
“certo conforto no trato”.<br />
<br />
No dia seguinte, agradeci e manifestei que ficara mesmo
curioso com “o certo conforto no trato”. No dia 22, e com visível cuidado na construção da
resposta, ela disse: “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">trocando em miúdos,
acho que quis dizer que você parece uma pessoa delicada e com quem é fácil conviver</i>”.
No dia seguinte, muito mais surpreso, respondi que estava em busca de uma
resposta ideal para aquelas palavras, que até tinha começado uma digressão; reforcei que estava muito feliz com a surpresa do
contato e com a restituição, via percepção e palavras dela, do delicado à minha
vida, ao meu jeito de estar no mundo; assumi que a delicadeza fazia parte sim
da minha vida e que dela eu muito me afastara ou pouco de atenção a ela dera, e
que com a fala dela janelas para muitas ideias havia sido abertas. No mesmo dia, ela respondeu:
“<i style="mso-bidi-font-style: normal;">então, devo dizer que restituí a você o
que você sempre me deu, independentemente das intenções que pudessem movê-lo.
Que bom que pude fazer isso</i>”.<br />
<br />
No dia 26, com uma resposta aquém da ideal que
buscava, mas pressionando-me para logo tê-la, consegui dar continuidade à nossa
conversa, que após essa mensagem terminou: “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">Você me
reparentalizou, pois não tive necessidades emocionais atendidas referentes a
ser mais soft, light...delicado. Cresci ouvindo do meu pai: “Filho meu não pode
ser gay, ladrão drogado ou comunista”. A forja que me fez homem não me deixou
ser o homem que eu queria ser. Foi na marra, na rebeldia, na sublevação, que eu
me lancei à transformação, ao questionamento do que queriam de mim e do onde eu
chegaria sendo aquele homem que de mim fizeram. Foi na experimentação, no corpo
da política e na política dos corpos, que adotei algumas postura, novas ideias</i>”.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Findou a troca de mensagens, mas não
findaram as inquietudes deste contato tão especial com o delicado em mim, com a
experiência de acessar uma representação minha bem distinta da que normalmente
uso para me definir e de acessar o material trazido à tona por minhas próprias palavras.
Emergiu a grande senha: até aquele inusitado 20 de março eu não havia invadido
esta seara tão cara à minha história de vida: a conexão entre o delicado/a
delicadeza e o meu vir-a-ser homem (tampouco tenho como saber se um dia aconteceria).
A oportunidade, respeitados todos os seus detalhes, tornava providencial aquela restituição; enfim, tinha que ser<span style="mso-spacerun: yes;"> naquele instante e daquele jeito. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Palavras. Quantas e fortes emergiram na troca de mensagem e em minha mente.
Até 23 de março, diziam-me elas que eu não me reconhecia na delicadeza nem a ela
devidamente reconhecia; que refazer-me homem fôra na marra, na rebeldia, na sublevação. Processo
este que agora entendo demandar sensibilidade ou autoconhecimento ou
experiência ou coragem para se ir além do enfrentamento ao dolorido e extenuante
que ele produz e alçar o saber-se delicado, assumi-lo, nele se confortar,
a ele proteger e com ele objetiva ou intuitivamente contar para enfrentar a
vida. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tal restituição abriu-me não
apenas à compreensão do impacto, mas da necessidade de uma consistente restituição
do delicado à minha vida, de modo que ele seja parte evidente e assumida do meu
jeito de estar no mundo e de como continuamente me redefino, me reconstruo, me
reelaboro. Fortalecido, procurei então compreender como se dera minha relação
com o delicado, os nossos encontros e desencontros, o que minhas palavras iniciais não deram conta. Foram muitos e profundos os
pensamentos e lembranças que somaram forças para que a partir dali eu
revisitasse os pontos de contato e de atravessamento entre mim e o delicado.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Como não perguntei à pessoa o que
seria este delicado que eu a entregava, os atributos que o comporiam, acessei as
representações que atualmente tenho do delicado ou da delicadeza: mulheres,
flores, cristais, relações e o psíquico, e onde se inscrevem o soft e o light. Baixíssimo repertório de associações e
representações, confesso, dignas mesmo de uma pessoa que ouvia que homem não
chora, que ele tem que se impor e que jamais deixa-se ser um réu confesso de qualquer coisa que faça ou sinta. Considerando
peculiaridades da minha trajetória de vida, entendi bem que esse repertório não
poderia ser muito rico, embora agora saiba haver alguma efetividade, pelo menos
com uma mulher. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mulheres. Revisitei o passado e
logo encarei minha relação com elas, que, além de não ter sido fácil, foi deveras
complicada por causa de algumas vontades do destino. Minha mãe morreu quando eu
tinha dez anos e, embora ainda tivesse tido três mulheres perto de mim por um
bom tempo, não houve com duas irmãs mútua cumplicidade e empatia sobre os
dramas de vir-a-ser gente, nem mútua proximidade e afetuosidade com minha
madrasta que pudesse viabilizar uma outra forja de vir-a-ser. Nas ruas,
aprendizados comuns de meninos sobre sexualidade, com acesso a revistas
pornográficas e a compartilhamento de histórias, na maioria das vezes, bastante
exacerbadas sobre paqueras, transas, masturbações, etc.. Aprendizagens não sobre a
inteireza, integralidade e delicadeza dos nossos e dos corpos delas, mas sobre órgãos
genitais e seus excêntricos nomes, tudo muito localizado e resumido,
embrutecido. Continuada a revista ao que me permitiu a memória, constatei que,
naquela fase, dificilmente reagiria ao embrutecimento ou rusticidade que caracterizava
aquele projeto de vir-a-ser homem que nos impunham, aquela dura forja: aos onze ou
doze anos lidando com uma criação que diariamente informava que “filho meu não
pode ser gay, ladrão, drogado ou comunista”, que também nessa fase me colocara
num inferninho para, sob olhares ávidos de tios, ter uma mulher no colo para
que ela certificasse que o “pau subia”, que aos catorze ano, quando assistia
Gilberto Gil cantar Refazenda, desligava abruptamente a TV e informava que
naquela casa não se assistiria a um gay e comunista cantando.</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br /></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Foi um doloroso e
delicado-em-si de abrir janelas para no passado entrar, tendo à mão apenas a luz
da coragem e sem dispor do mapa e experiência de um bom analista. Bem mais do que mudar meu dia, essa
simples e despretensiosa mensagem produziu efeitos que, bem sei, impactarão meus
dias que seguem, mesmo que o fato de não ter sido de uma mulher com que tive
relacionamento próximo e intimo ponha tudo isso sob ampla suspeição. A coragem acompanhou
a extensão da rememoração para expor detalhes densos da minha história de vida. As janelas estão devidamente escancaradas e tudo isso vai continuar
reverberando, repercutindo, atravessando a dolorida e contínua reelaboração da minha própria
identidade ou subjetividade. Entretanto, por mais surpreendente e inquietante que
esteja sendo, não há estranhamento, negação ou repulsa: há um delicado em mim e
ele está restituído à pauta da minha vida.</div>
Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com17tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-53494901280153176322019-07-31T17:45:00.001-07:002019-07-31T18:37:02.242-07:00Aqui e agora: eu, professor.<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Noite de 26 de junho de 2019, sala 2, Instituto de Educação, UFRRJ.
Estou assistindo a mais uma aula na maratona para me tornar um psicólogo, um
plano antigo e que aos poucos e com muita luta vai se materializando. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Estou no oitavo período e assisto aula da disciplina Psicologia
e educação: conexões e diálogos, ministrada pela querida e admirada Rosa
Cristina Monteiro. Embora seja uma disciplina optativa, Rosa confere a ela a
devida importância e suas aulas, sem exceção, têm sido marcantes para mim e
certamente para a maioria dos colegas. Estou cansado da jornada que começara às
8 da manhã e sigo à aula sem saber que em poucos minutos eu viveria outro momento
significativo nessa minha jornada pela vida.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Rosa nos surpreende solicitando que façamos uma narrativa
sobre uma situação bem específica: temos que desenvolver o “eu, professor”, uma
narrativa em primeira pessoa. Ela se baseia na teoria dos atos de significação,
de Jerome Bruner. Como aprendido em sala de aula, procuramos significar o mundo
(mente criadora de significados) e nele agimos em função dos significados e
sentidos. A narrativa é uma fonte crítica para o entendimento dos significados
ou sentidos que criamos, e a narrativa de si mesmo, dizia Rosa, é um modo de
consolidar sua experiência, torná-la consciente e, na medida do possível,
ampliar ainda mais o campo da consciência. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Rosa não queria captar as representações desse professor que
muitos ali ainda o serão, seu objetivo estava no labor individual para
construção do caminho que os alunos estão seguindo para formaram-se e obter o
grau de licenciado, queria extrair os significados implicados no emergir do
futuro professor. Como nos implicamos na construção desse professor? Tínhamos
que ir além da representação para encontrar o sentido de ser professor. Teoricamente,
estamos em uma estação próxima à Gare no processo de constituição dessa
identidade.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">No momento em que recebo a instrução da tarefa começa um
grande desafio para mim: na corrida para ser psicólogo, dou-me conta de que
preciso falar do professor que sou e justamente numa das salas onde, há 28
anos, começou minha corrida para ser administrador, profissional de marketing,
homem de mercado. Uma complicada questão de construção identitária reaparece,
senta na cadeira ao lado e me cobra atenção, puxa assunto. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Pensando em como construir a narrativa, dado que nos foi
facultado certa criatividade para fazê-lo, dou-me conta do quanto sou dividido
nos meus desejos e que isso é algo com o qual ainda não aprendi a conviver, do desafio de agora ter que falar do professor cuja trajetória começou há 20 anos e que ainda
o faço sem demostrar a alegria e o desejo que geralmente me atribuem como marca pessoal. Lembrei-me
imediatamente de uma pergunta da terapeuta feita em 2009: “Quem é mais
importante para você: o professor, o homem de mercado ou o escritor?”. Naquele
dia, ela disse que estranhava o fato de ser eu um professor muito bem
conceituado e falado por muitas pessoas e que não falava de mim mesmo com
empolgação alguma, que estava altamente insatisfeito com a vida e que me
cobrava bastante por não estar investindo no escritor, o Eu, escritor. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">As lembranças continuam e relembro que professor é uma posição
que neguei várias vezes, priorizando meus interesses na área de marketing, a
despeito de muitos conselhos e indicações de que havia em mim vocação para tal.
Quem mais me falou sobre isso foi Fernandinho, primo na casa de quem eu costumava
ficar entre 1995 e 1997 para ficar mais perto do trabalho ou dos cursos de pós-graduação
que tentei para ir ao mercado de trabalho. Regularmente, ele me dizia que eu
deveria tentar uma carreira docente, que via em mim um “professor nato”, que eu
deveria ter mais carinho com a vocação que estava evidente em mim.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Ironicamente, lembro-me que na Supergasbrás, onde tive minha primeira oportunidade de ser um “homem do mercado”, ganhei o apelido Professor. Um
dia, participando de um jogo de futebol dentro da empresa, um colega de time
reclamou de um passe errado meu e deixou sair: “faz isso não, Professor”. Durante
o jogo fui chamado de Professor por outras pessoas. Após a partida, me explicaram que meu apelido entre era “Professor” porque eu parecia
um professor, pelo meu jeito de falar e por alguns hábitos que tinha, como o de
ler jornal ou livro no horário que sobrava do almoço. O apelido estava pegando
e um dia, em conversa com meu chefe, ele me disse que aquilo não era nada bom para
alguém que tinha ambição de crescer na empresa, que a representação de um
professor não era nada boa para um gerente ou diretor, que as funções eram
incompatíveis.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;"></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Aprofundo-me nas lembranças e realizo que tal dilema dentro da
empresa acaba com minha saída dela e que esta, devido à maneira dolorosa como a
ela reagi, acaba por influenciar negativamente minha recolocação no mercado. “Você
ainda está sangrando”, disse-me uma diretora de RH de uma grande empresa para justificar
minha não contratação. Minha saída da Supergasbrás praticamente marca o fim da trajetória
daquele Eu, homem do mercado. Rapidamente, lembro-me do texto que escrevi justamente
no dia em que saí da empresa para usá-lo em minha apresentação do Eu, professor.
O texto, escrito em 10/10/1997, na base da Duque de Caxias, é significativo pois
eu estava realmente muito feliz naquele dia que acabou bem mal por sinal. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 15.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 15.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #2d2a2b; font-family: "garamond" , "serif"; font-size: 12.0pt;">“Um inesperado e agradável surto de
felicidade tomou conta de mim. Estou rindo à toa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 15.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #2d2a2b; font-family: "garamond" , "serif"; font-size: 12.0pt;">De uma hora pra outra fiquei leve,
radiante, com a alma em êxtase.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 15.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #2d2a2b; font-family: "garamond" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Estou impregnado de felicidade,
vertendo alegria pelos poros.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 15.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #2d2a2b; font-family: "garamond" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Há um doce aroma de satisfação me
rodeando e que não me deixa parar de sorrir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 15.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #2d2a2b; font-family: "garamond" , "serif"; font-size: 12.0pt;">É uma sensação fantástica, estou
contagiante, irresistível.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 15.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #2d2a2b; font-family: "garamond" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Planto esperança em todos os lugares em
que lanço um olhar.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 15.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #2d2a2b; font-family: "garamond" , "serif"; font-size: 12.0pt;">De minhas palavras jorram emoção.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 15.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #2d2a2b; font-family: "garamond" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Inesperadamente feliz, como se não
houvesse no mundo outra opção.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 15.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 106.2pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; text-align: justify;">
<span style="color: #2d2a2b; font-family: "garamond" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Um réu confesso do crime da
felicidade recebendo em alto astral a sentença que me condena à alegria eterna”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 15.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: 15.75pt; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt;">A poucos minutos da minha apresentação realizo que estou
bastante emocionado, dou-me conta da complexa rede de significados que
estiveram presentes em todos os investimentos que fiz no complicado processo de
constituição identitária do Marco Antônio Ferreira de Souza. Com certa calma,
porém, contemplo com carinho os diversos projetos de eu em que me impliquei. Olho
para a sala e tento revisitar momentos de 1991, quando naquela sala me sentava
para algumas aulas. Não, não quero me reencontrar, nem dizer nada para aquele "eu, aluno", pois sei que minha dívida é
com o professor, com aquele cara que está na viagem e coincidentemente na mesma estação em que o aluno começou a viagem.</span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Jamais passaria pela minha cabeça que, em mais uma etapao da
corrida para edificar o "eu, psicólogo", eu precisaria prestar contas com o "eu,
professor", justamente na sala onde começou minha maratona para tornar real o "eu,
homem de mercado", figura de vida curta e pouco feliz e de
quem demorei a fazer o devido luto. E aqui estou, professor de fato,
precisando assumir essa importante dimensão da minha vida, precisando acolher-me,
autorizar-me, abraçar-me, precisando urgentemente reinterpretar a tal sentença que me
condena, nessa vida, a uma alegria em quantidade bem promissora. Talvez seja isso o que a terapeuta me cobrava, talvez seja isso o que Fernandinho previa para mim. Talvez. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-size: 12.0pt; line-height: 107%;">Fui o último a apresentar e terminei assim: Aqui e agora: eu,
professor.<o:p></o:p></span></div>
Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-86390821359470410612018-08-06T08:15:00.004-07:002021-10-25T09:35:04.582-07:00Fomos pipeiros<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDmxHh2Ei3OmxwqoydoN1e5ViiL1OzVYgGw5s7oq5rdGGOlMUFH0Wf2P0_9xnDRVzXFF1lJNZcxpCc8sZ0z5zjCQbhGiybM3Wk_vUvC-XQJP_JSVB7fpWRO9lum-vIYstbRoGsnHlcNhg/s1600/pipa.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="692" data-original-width="1230" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDmxHh2Ei3OmxwqoydoN1e5ViiL1OzVYgGw5s7oq5rdGGOlMUFH0Wf2P0_9xnDRVzXFF1lJNZcxpCc8sZ0z5zjCQbhGiybM3Wk_vUvC-XQJP_JSVB7fpWRO9lum-vIYstbRoGsnHlcNhg/s320/pipa.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Seropédica, 28 de julho de 2018. Sábado. Despertei perturbado por um som insistente e desagradável que, embora não me fosse
desconhecido, dele não recordava com
facilidade. <o:p></o:p>A memória falhou, mas a curiosidade falou mais alto. Desisti de voltar a dormir, levantei-me, abri a
porta da frente e, da sacada, deparei-me com uma marcante em minha vida: uma pipa agonizando na
rede elétrica de alta tensão bem em frente. Fui tomar café.<br />
<br />
À mesa do café, um outro ângulo me permitiu mais alguns instantes de contemplação, pela janela, da
cena que muitas vezes vi no tempo em que ficava os dias de férias escolares olhando
para os céus soltando ou correndo atrás de pipas voadas, escalando muros e árvores
para apanhá-las e retornar à brincadeira, tempo que se estende entre 1979 e 1985.</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />'Que cena desoladora!', informou imediatamente os sentimentos de pipeiro. Também sou visitado por lembranças recentes e antigas relacionadas ao soltar pipas. Vem à mente o ano 2007, quando uma médica que atendia minha filha, que à época estava muito ansiosa, disse com seriedade que Malu precisava soltar pipas, ter uma vida menos assoberbada com a atividades extraescolar ao invés de tomar remédios para ansiedade, atenção, depressão e coisas parecidas (Não só ela, claro, mas crianças, adolescentes e adultos, dizia a médica sobre a vida que levamos e que conflita com nossas condições fisiológicas e psíquicas). Também vem à mente imagens e noticias recentes sobre incidentes envolvendo pipas e atropelamentos e mortes de motociclistas feridos pelas linhas com ceróis.<br />
<br />
Acesso distintos e intensos sentimentos enquanto realizo o irônico e o contraditório de vermos uma atividade tão significativa imbricar-se com dores morais, físicas e psíquicas que podem ser experimentadas em nossas trajetórias.<br />
<br />
Visitam-me reflexões que misturam e o alerta do médico com mudanças no nosso mundo e na maneira como entendemos e exercemos nosso viver. Penso nos conflitos e consequente desconfortos e dores físicos, morais e psíquicos que estão associados aos elementos visíveis e invisíveis à cena: a pipa perdida na rede elétrica; a urbanização crescente e desorganizada e a correria para dar conta de necessidades e desejos sem fim e, atrelados a eles, um jeito de viver que equivocadamente prescinde do estar na rua; o sufocamento e marginalização de uma atividade lúdica e terapêutica como o soltar pipas; e, consequentemente, o acirramento dos conflitos entre pipeiros, motociclistas, motoristas, ciclistas e proprietários de casas e lojas.</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br />
Como estou de férias, sei que enquanto o vento, a chuva e o sol não
destruírem essa pipa, conviverei diariamente com o chato som que faz a sonoplastia
dessa cena desoladora. Ela me conduzirá a diversos e diferentes momentos
da minha vida. Nesse exato instante, a cena e o som me conduzem
direto a diversos e marcantes momentos, muitos que se deram na mesma rua.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 2007, saí do
consultório bastante impressionado e a primeira coisa que fiz foi comprar
linha, pipa e rabiola para, no dia seguinte, ir com Malu aos gramados da
Embrapa e da UFRRJ e começar o saudável tratamento. Primeiro, fomos à UFRRJ, mas logo fomos afugentados: a
todo instante vinham pipas querendo cruzar e aquele não era o nosso propósito,
nem cerol tínhamos. Só conseguimos soltar pipa em paz em frente à Pesagro. Ironicamente,
após termos conseguidos bons momentos de distração e alegria, houve mudança da
direção do vento e, ao tentar ajudar Malu com a pipa dela, acabei agarrando-a
na rede elétrica de alta tensão que fica na entrada entre a Pesagro e a UFRRJ. Com
a minha eu fiz algo que há muito desejava, embora até hoje não entenda bem o
por quê: dei linha até o final do carretel, deixei a pipa subir bastante e,
junto com a Malu, depois de muito debicar, subindo e descendo, indo de um lado
para o outro, deixei a pipa ir e se perder no horizonte. À Malu, uma vez
perguntado, disse a ela que alguém pegaria a pipa e a brincadeira continuaria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com relação ao meu passado, sei
que pelo tanto que tem ventado desde ontem eu o visitarei bastante,
remontarei aos meus saudosos anos de pipeiro, que reconheço não terem sido tão
gloriosos como o de muitos amigos, mas que foi muito rico em ludicidade, uma
vida vivida mais do portão de casa para a rua do que o inverso e com quase
nenhum remédio a ser tomado, exceto analgésicos, vermífugos, antitetânicas,
antirrábicas e os biotônicos da vida para despertar apetite. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando a rede de alta tensão
chegou à essa rua, essa cena foi ficando comum e praticamente forçou a migração
do soltar pipa dessa parte aqui da esquina com a rua 7 para o fim da rua, e,
vale a menção, ainda não havia a minha casa e o colégio à frente, onde ficava a
casa da dona Edméia. Foram os primeiros conflitos mas, embora nos anos
seguintes ficassem comuns os conflitos entre essa prática lúdica e bastante
saudável e a maneira como nossas famílias progressivamente estruturavam nossas
vidas, vivenciamos mais as dores morais comuns à rotina de um pipeiro do que as
dores físicas (sim, tínhamos dedos das mãos cortados, pés e canelas machucados),
e sofrimentos psíquicos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sobre as dores morais, sei de uma
leitura mais otimista e que depõe contra o agonizante que a minha leitura retrata
dessa cena. Esta diz que no final da temporada de férias as pipas nas árvores,
antenas e redes elétricas tornam-se memória, provas irrefutáveis de que adultos
e garotos viveram intensamente seus dias de ócio nas férias escolares e que
para cada uma dessas pipas haverá um depoimento de alegria e dor vividas com
dignidade e altivez. Entretanto, uma pipa agonizando na rede elétrica significa
que muita frustração foi vivenciada em algum dos instantes mágicos da vida de
um pipeiro. Alguém certamente perdeu essa que agora observo enquanto a empinava
ou arrastava para cruzar com alguém ou tentava aparar outra pipa ou perdera a
rabiola dela e tentava trazer para o chão ou, o que é a situação mais chocante,
enquanto estava a poucos metros e segundos de pegá-la voada e dar o homérico,
terapêutico e libertador grito “É minha! Tá na mão!”. Existem outras maneiras
de calar esse grito, mas uma pipa voada ir direto à rede elétrica e lá ficar
encabrestada é a pior, pois, além de todo risco e lendas que circulam sobre
fatalidades, com a rede elétrica “não tem negociação” e prevalece a dor moral
que se acentua com o calar desse grito. Bem, se por ventura alguém pegar a pipa
quando você vai dar o grito libertador, ainda há chance de negociar ou de lutar
para minimizar essa dor.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Embora conheça bastante dos
relatos heroicos que uma temporada de pipas produz, sei bem que, para quem
solta pipa, ver uma pipa na rede elétrica é uma das cenas mais horríveis de se
ver. Em termos de dor moral, no meu tempo de pipeiro, que foi dos 8 aos 14
anos, ela se equiparava à de ver a pipa estancar e se perder no horizonte ou parar
na mão de alguém que não vai lhe entregar, o que também era avassalador. A
despeito de toda dor que essa última cena enseja, dado que pode ser uma alma
sebosa que ficará com sua pipa e linha, do fundo da alma de um verdadeiro
pipeiro emergirá um pensamento bastante oportuno que lhe dirá para erguer a
cabeça e superar essa dor, pois, pelo menos, a brincadeira irá continuar e,
quem sabe, o jogo vira como o vento muda de direção, e ele reaverá a pipa ou
cruzará e cortará a alma sebosa que ficou com sua pipa.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Essa dor moral reside no
complicado que se torna o resgate da pipa na rede elétrica. Devido à histórias
de gente que fora eletrocutada – algo que felizmente nunca presenciamos na rua
Albertina Rosa ou simplesmente rua do Hotel (atual Rua Iná Nascimento de Souza)
–, tentar resgatar pipas nas redes elétricas nunca foi uma ação simples ou
isenta de riscos e medos. Além disso, ela inibia toda engenharia coletiva para
resgate de pipas que tão bem exercíamos quando elas estavam agarradas em
árvores ou antenas e, consequentemente, fazia com que deixássemos para trás os
bambus, marimbas e demais artefatos tecnológicos nos quais o tempo de
traquinagem nos tornava peritos.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nos dias que seguem, graças a
esses oportunos cena e barulho, revisitarei com carinho meu passado e irei
contrastá-lo com o presente que a pouca molecada que vive nessa rua enfrenta.
Lamentavelmente, essas férias estão acabando e não vi ninguém soltar pipa por aqui.
Está tudo bastante mudado, a começar pela minha casa e pelo colégio â frente
que, pela altura que têm, tomam considerável parte do espaço para empinar
pipas. Os lotes vazios escasseiam, bem como as árvores; aumentam o número e o
tamanho das casas, bem como o de estranhas e complexas antenas de tv e
internet; o soltar pipa exige ainda mais habilidade, perícia e audácia. Também mudou
o acesso às pipas, linhas, rabiolas e cerol; no nosso tempo, uma pipa e uma
linha eram caros e tinham que durar muito; na maioria das vezes, quando o Marco
Cocota não estava fazendo pipas, nós tínhamos que fazê-las, bem como às
rabiolas. <o:p></o:p><br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Irônico, lamentável e desconfortável
é constatar o quanto estou envolvido nessa dessa dinâmica de fazer e se
acostumar com que as dores físicas e o sofrimento psíquico superem em
quantidade e intensidade as dores morais que acima menciono. Ao fazer essa casa
desse jeito, bem alta, eu contribui para esse acirramento do conflito, preenchi a
paisagem da rua com obstáculos às pipas, fiz do mesmo que atualmente transforma
pipeiros em verdadeiros inimigos de motociclistas, ciclistas e donos de
antenas. Ao viver do jeito que vivo, ajudo a emergir figuras como a que encerro,
cheias de dores psíquicas e físicas, e a pôr no limbo o pipeiro, sua mítica
trajetória e seus desafios com alegrias e dores morais. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ainda à mesa do café, mudo o ângulo
de visão e fico a pensar nos pipeiros famosos da minha rua, como o Marcio, o
Basa, o Sergio, o Zezé, o Jô e muitos outros. Após uma tarde movimentada, cheia
de cruzamentos, estancamentos, sobe e desce de peões, pipas e gerecos, o ápice
de um pipeiro era ser ele o único a sobrar no céu da região onde ele estava
soltando sua pipa; é bem verdade que ele não estava, como eu sempre estava,
entre os que sempre eram cortados ou que estavam correndo atrás de pipas voadas
para continuar a brincadeira; mas todos nós estávamos envolvidos com as dores,
alegrias e aprendizados inerentes ao dar ou tomar cabresto, cortar ou ser
cortado na mão, embolar de linha e evitar fazer nós nela, nos dramas dos dias sem
vento, dos roubos de linha, das perdas das rabiolas, dos dilados que impediam
as pipas de subir e ficar no ar.</div>
Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-83216788550068585322018-06-02T05:12:00.005-07:002021-12-24T08:57:11.659-08:00Reencontros marcados<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Rio de Janeiro, 26 de abril de 2018. Cinco horas da manhã. Como
de costume, cheguei adiantado a mais um encontro (bem adiantado, por sinal),
revelando a ansiedade que jazia nas entrelinhas. A alguns metros de mim, o
Hospital Servidores do Estado – HSE, com quem terei o desafio de um reencontro
lá pelas 8:00.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Há trinta e cinco anos não nos vemos e o escuro da madrugada me
impediu de ver como ele está atualmente. Como só encontrei lugar para
estacionar à rua do Livramento, pouco pude notar da silhueta do gigante que
marcou minha vida. Inseguro sobre o local onde parei, resolvi ficar por ali até
que o dia clareasse e tivesse mais segurança para deixar o carro e ir para o
grande momento do dia. Fiquei na companhia do senhor que vende água de coco e
faz ponto em frente ao Mercadinho 2001, esquina com a rua do Livramento.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Às 7:00 saí para tomar café no bar e restaurante Cantinho dos
Servidores. Durante duas horas fiquei sem nada que, por ventura, trouxesse as
lembranças dos muitos e, em sua grande maioria, dolorosos encontros que eu e o ‘Servidores
do Estado’ tivemos entre os anos de 1978 e 1983. No restaurante, enquanto
saboreava a média e o pão na chapa, pude contemplar detalhes da sua lateral e
constatar que muita coisa mudou.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Em verdade, exceto por um breve contato visual com a Rodoviária
Novo Rio e pelas dependências do Moinho Fluminense, não houve nada de familiar
em mais essa chegada à Sacadura Cabral, 178. Nada de Perimetral, trens de
carga, navios, viagem em ônibus da empresa Eval, Praça Mauá, cheiro forte de
café, ônibus das empresas Magelle, Evanil, Reginas ou Jurema, nem mesmo tinha o
famoso 222 parado ali por perto. Também pudera: nosso último encontro se deu em
21 de fevereiro de 1983, às 9:00, e muita coisa mudou na nem tão maravilhosa
cidade que faz o cenário dessa controvertida relação que o destino, esse
ilustre senhor, criou a partir do adoecimento e tratamento da minha mãe, a
partir de 1980.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Sobre o reencontro, durante anos desejei e agi como se tal
relação tivesse acabado, embora soubesse que havia faltado a importantes
reencontros previamente marcados para os anos seguintes, em especial ao do dia
24 de março de 1983, conforme marca o velho cartão rosado. Tal ausência
implicou em deixar para traz preciosas sessões de psicoterapia, oportunidade ímpar
que eu tinha para mudar a dolorosa impressão que fiquei dos encontros que
tivemos e sobre a vida que conheci durante o longo período de internação e após
o falecimento da minha mãe, em 17 de setembro de 1981. Depois daquele fevereiro
de 1983, meu reencontro com a psicoterapia se deu em 2003, ainda perdura, mas
não dediquei muita atenção nas sessões para elaborar essa complicada relação
que me foi imposta e os marcantes motivos e consequências da falta ao
reencontro de março de 1983. Entretanto, quis o mesmo destino — esse ilustre
senhor especializado em encontros, reencontros e desencontros feitos à revelia
de nossas vontades — que em abril de 2018, aos 47 anos, e como aluno de
Psicologia, eu fizesse uma visita técnica ao 'Servidores do Estado', como usávamos
chamar esse hospital.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Nos dias anteriores, fiz o que aprendi com a vida nos demais
encontros, reencontros e desencontros marcados que o ilustre senhor me
presenteou: entendi que o (re)encontro era necessário, passei a desejá-lo;
tentei controlar a ansiedade e não criar expectativas, não fiz planos.
Preparei-me, claro: mantive-me austero e não dediquei às magoas uma posição
preponderante. Sem sinais de contrariedade me dispus a entregar no reencontro o
que de melhor haveria em mim após tanto tempo. Para segurar a pressão da
ansiedade, durante a viagem começada em Seropédica, fiz alguns áudios sobre
esse dia.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Embora me sobrasse tempo, notei que fiquei parado no restaurante
Cantinho dos Servidores por muito tempo, que me segurava por ali,
retardando o (re)encontro. Decidi sair e testar o que aconteceria conforme
entrasse em contato com o gigante de concreto. O granito marrom e as grades
mostravam que sua frente continuava a mesma. Não entrei, apenas observei a
silhueta. Lembrei-me da entrada da rua Venezuela, dos ambulatórios e decidi
pelo primeiro reencontro.<br />
A entrada continuava a mesma: as fontes d'água à direita, o guichê lotado,
muita gente entrando e saindo, as primeiras escadas rolantes que vi em minha
vida e onde, depois de perder o medo, adorava ficar subindo e descendo. Emocionei-me.
Em busca de banheiro, entrei num corredor que me levou direto ao ano de
1983. Mais emoções. Estava tudo praticamente igual àquela época — a mesma
disposição das salas, consultórios e cadeiras, as cores em tom de creme e ocre
e o perfil das pessoas: gente simples, envelhecidas, trazendo nas faces à
agonia de quem mais uma vez acordou muito cedo e saiu atrás de uma boa
notícia. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Peguei água num bebedouro perto do banheiro e me sentei,
deixando as lembranças conduzirem o momento. As lágrimas desceram rápida e
fortemente, não conseguia segurar. Como previ nos áudios que fiz na viagem para
cá, aquele garoto de 12 anos tinha ficado naquele corredor à espera da
psicoterapia que tanto lhe fazia bem e o ajudava a elaborar toda transformação
que sua vida sofreu em praticamente três anos. Ao Marco de 47 anos caberia
retirá-lo de lá e levá-lo de volta para casa. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Imagens da época vinham com rapidez no angustiante trabalho de
reconstruir aquelas memórias, de dar uma lógica ou sequência a coisas que
aconteceram há mais de trinta anos e chegar aos porquês do rumo que a história
tomou. Uma dessas imagens reclamou atenção naquele momento: o dia em que ficou
decidido que meu pai não me levaria ao encontro de 24 de março de 1983. A
lembrança me dizia que foi por algo que era importante para ele, uma pescaria,
apesar dele próprio saber que tudo tinha que ser marcado no Hospital e com
antecedência. Essa doída lembrança, que sempre me acompanhara, veio numa
intensidade mais forte do que de costume, experimentei raiva bastante
desagradável e que trouxe à tona os questionamentos que, embora fossem óbvios,
nunca entraram na pauta de uma conversa séria entre nós: “Por que, àquela
época, eles não se mobilizaram para me levar à terapia? O que aconteceu para
que todo processo fosse esquecido, pois o cartão marca que não houve mais
retorno meu ao hospital?”. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Chorei muito, mas recobrei a consciência de que minha missão ali
não era destilar ódio ou raiva, de que à frente eu certamente viveria mais
momentos fortes e precisava estar preparado. Prontamente, desculpei meu pai e
minha madrasta pelo o que tenha acontecido à época, pois o que importava
naquele momento era o que eu iria fazer dessas lembranças e emoções, o que eu
iria fazer com o garoto de 12 anos que eu resgatei e que não tinha mais aquela
casa de 1983 para nela voltar, lá se recolher e, enfim, ocupar o espaço em
branco na história da sua própria vida. Simbolicamente, segurei nas mãos do
menino e disse: “Vem comigo, vamos para vida, Marquinho, sai da condição de
vítima, perdoe as pessoas”. Abracei e levei-o para me acompanhar durante o
resto da visita técnica.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Antes de encontrar meus amigos de turma, fui ao arquivo saber da
possibilidade de resgatar os prontuários dos atendimentos dados a mim e minha
mãe. Passei em frente ao local onde ficava a cantina que tanto gostava de
frequentar quando ia ao HSE, onde normalmente pedia um suco de maracujá e um
misto-quente ou coxinha de frango. Ela estava fechada, a fachada era a mesma.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Às 9:45, começamos a visitar a parte do hospital onde as pessoas
ficavam internadas, onde eu vi minha mãe pela última vez. Attila, que lá
trabalhava, nos conduziu num roteiro que só podia mesmo ter sido preparado por
aquele ilustre senhor especializado em encontros, reencontros e desencontros
feitos à revelia de nossas vontades: começaríamos pelas partes de baixo, depois
iríamos ao último andar e desceríamos até o sétimo andar, local onde ele
trabalhava como técnico de enfermagem e onde minha mãe ficou, entre 1980 e
1981. Como quem livremente consentia com aquele reencontro, fiquei me
controlando o tempo inteiro, conforme Attila ia (re) apresentando àqueles
locais algo já conhecido por mim: a recepção, os elevadores, o local de alta, o
local de radioterapia etc. Ao chegar ao sétimo andar, ficou decidido que
primeiro visitaríamos a Neurocirurgia e Neurologia — onde ele trabalhava e onde
faríamos as perguntas-chave do trabalho — para depois visitar a Ginecologia,
onde minha mãe ficou. Lá da Neurologia fiquei contemplando o corredor que dava
à Ginecologia, ansiando e temendo o reencontro. Tudo foi tão estranhamente
preparado que acabamos por visitar todas salas do sétimo andar no intuito de
conhecer a realidade operacional do local, as condições de trabalho das equipes
médicas e dos pacientes e visualizar onde e como os psicólogos da saúde podem
atuar.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Acabei voltando ao quarto onde há quase 37 anos, no dia 15 de
setembro de 1981, vir minha mãe pela última vez, recebi seu último abraço e
perguntei quando voltaria para casa e mais uma vez estranhei o estado em que a
doença a deixou; lugar onde, na verdade, ela só ficava deitada porque já não
andava mais, onde eu ficava encantado pelo rádio que tinha na cabeceira e
sempre estava sintonizado na rádio-relógio e eu atentamente ouvia os contínuos
tique-taque de um relógio, a voz anunciando a hora certa a cada minuto, os
locutores dizendo “Você sabia que tal coisa é assim ou assado. Você sabia?” e a
anúncios como o de uma determinada empresa que cantava de galo com o preço de
milho picado. A cama onde ela ficava era perto da janela e de onde se podia ver
o morro em frente ao hospital, uma paisagem que não me pareceu nada familiar. À
época eu ficava olhando para baixo, para a entrada, para o movimento na
Sacadura Cabral.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Curiosamente, não chorei ao rever tudo aquilo, embora estivesse
notoriamente afetado, falando bastante para compensar a emoção vivida. Talvez,
pelo fato de estar acompanhado daquele garoto de 12 anos ou pelo fato de meus
colegas de turma não terem a menor noção de que o que para eles era uma
novidade era para mim uma delicada reprise, um reencontro especial, meus
comportamentos e reações tenham passado desapercebidos. De lá fomos ao prédio
dos ambulatórios e passamos no setor de psicologia onde tivemos a chance de
conversar com a psicóloga Eleonor Elizabeth, que entrou pouco depois de 1983 no
setor e onde uma vez mais fui visitado por imagens do passado e por emoções que
mexiam profundamente comigo.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Ironicamente, após mais uma ida ao ‘Servidores do Estado’ voltei
para Seropédica. Estava de carro e não precisei andar até a Praça Mauá para
pegar o Tarifa A da Eval – demorava a passar, mas rápido chegava em Seropédica
– nem precisei ir até a Central do Brasil para lá pegar um Tarifa B – passava
mais vezes e sempre demorava a chegar ao seu destino final. Acompanhado dos
meus amigos e daquele menino de 12 anos, fomos à UFRRJ para tentar assistir uma
aula de Ética na Psicologia e onde horas depois estarei dando aula até as 22:00
horas. Outros reencontros nos aguardam, pois pretendo resgatar os
prontuários dos atendimentos que eu e Dona Tininha tivemos e espero que essa
relação finalmente acabe. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Às 22 e 30, cheguei à casa onde atualmente moro e que será
a nova casa e lar do Marquinho que resgatei no ‘Servidores do Estado’.
Ironicamente, parei o carro justamente em frente à velha casa onde ele morou e
de onde, simbolicamente falando, ele saiu há trinta e cinco anos para uma
sessão de terapia e por lá ficou. Outro reencontro marcado acontecia.</span></span></p>Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-38584355840869940192017-05-21T16:55:00.000-07:002017-05-21T16:55:26.040-07:00Sobre querer 'querer mudar'.Seropédica, 21 de maio de 2017. Compartilho dois importantes momentos dessa semana e os significados de tê-los vivido. A ideia é contribuir para reflexões sobre os desafios de viver, de conseguir efetivar mudanças e as silenciosas e complexas lutas que todos travamos em nossa psique. Tais lutas podem ser levadas com mais facilidade quando temos o apoio de outras pessoas para pensar sobre como pensamos.<br />
<br />
Hoje, aproximadamente quatorze meses depois que rompi os ligamentos do pé direito, consegui ir caminhando até a entrada do Instituto de Veterinária. Não senti dor, nem o medo de caminhar sozinho por aquelas paragens que deixavam-me inseguro. Até então, eu ia caminhando até a ponte da linha do trem. Quando lá chegava, sentia dores, medo de me machucar, de ser assaltado e ia me encolhendo progressivamente, chegando até a conceber padrões de pensamento como “eu tenho 46 anos, preciso entender que meu corpo não é mais o mesmo” ou “agora preciso me acostumar com essa nova fase da minha vida”.<br />
<br />
Hoje eu fui caminhar, pensei em fazer meia volta, senti algumas dores, mas quando cheguei na ponte, fui em frente. Era necessário ir em frente, dar valor ao padrão de pensamento que me fez sair de casa, que é o de fazer mudanças na minha rotina e preparo para entrar com mais saúde e disposição para novos desafios que quero e vou me propor. Fui e senti-me muito bem, vencendo todos os medos e pensamentos que me prendiam ao pensamento que me conecta a um presente limitado e me deixa nostálgico de um tempo em que estive melhor. Há mais de um ano eu só consegui fazer esse percurso de bicicleta e nos horários mais cedo. Hoje foi às 18. Consegui.<br />
<br />
Na quarta-feira, dia 17, fui operado e novamente enfrentei um fantasma: entrar na sala de cirurgia. A razão? Há aproximadamente 12 anos, fui com meu pai até a sala de cirurgia e, vendo-o tirar o relógio e me entregar, ouvi dele quando se abria a porta: “eu não volto. Cuide da Maluzinha e do Leozinho”. Ele foi operado, entrou em coma e partiu. Não nos falamos mais. Fiquei com aquela impressão da entrada da sala de cirurgia na mente. Passei por duas outras cirurgias, mas numa eu estava quase inconsciente e, na outra vez, no mesmo hospital onde fui operado no dia 17 e onde tive um problema sério, não teve momentos esperando que a tal porta se abrisse. <br />
<br />
Tudo na quarta-feira teve um requinte do destino. Pra começar, o maqueiro veio, cantou meu nome e disse: “hora de partir, Marco”. Olhei pra ele e disse: “hora de dar um passeio, meu amigo, e depois voltar”. Ele nada entendeu, claro. Ao chegar no mesmo local de 2015, ainda pensando sobre o partir e o dar um passeio, ele tocou uma companhia, afastou-se, deixando-me sozinho, sentado numa cadeira de roda, esperando que a porta se abrisse. Que padrão de pensamento ter naquele momento? O que devo pensar agora?, pensei. Eu agarrei-me ao “dar um passeio e voltar”, ao “confiar nas pessoas que estariam ali”, ao “esse desafio faz parte da minha luta para aprender a viver e entender os meus limites e os das pessoas”. E tinha outro desafio: em 2015, após a cirurgia, já no quarto, tive um pico de queda de pressão forte que deixou-me em momentos de muitos apuros e risco de morte. Foram as enfermeiras que fizeram as manobras que me levantaram, soube depois.<br />
<br />
Quando a porta se abriu, tive a péssima imagem de uma pessoa que acabara de ser operada, totalmente desacordada e vestida como recém-operado. Deixaram-me sentado de frente para o rosto dela, que esperava um maqueiro para ir ao quarto. Olhei seu rosto e virei. Mirei uma parte da sala, até que veio uma senhora e me levou à sala de cirurgia. Conversei com o anestesista sobre os riscos de um pico de pressão, sobre o procedimento e lentamente fechei os olhos e deixei de reagir à força que já me derrubava. Quando dei-me conta, voltava do passeio, ia para o quarto e a procura da face e voz da Rosangela, que me acompanhava.<br />
<br />
Aprendo que toda mudança requer um padrão de pensamento que a dê suporte e enriqueça os seus significados. Há um querer 'querer mudar' que é fundamental nessas ocasiões em que transformações fazem-se necessárias em nossas vidas e não se chega a ele sem que antes tenhamos sentimentos de confiança nas pessoas, nas próprias possibilidades, de gratidão à vida e um real desejo de viver novas fases. São lutas sozinhas que travamos e, digo, procuremos ajuda. A minha era pequena e demorou muito, pois fui sozinho. Demorei a pensar sobre como pensava e o efeito dele sobre as mudanças que busco e preciso.Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-36660975309436987762016-07-25T10:08:00.004-07:002021-12-14T16:15:01.687-08:00Mudar a rota do pensamento na estrada da vida<!--[if gte mso 9]><xml>
<o:OfficeDocumentSettings>
<o:AllowPNG/>
</o:OfficeDocumentSettings>
</xml><![endif]--><br />
<!--[if gte mso 9]><xml>
<w:WordDocument>
<w:View>Normal</w:View>
<w:Zoom>0</w:Zoom>
<w:TrackMoves/>
<w:TrackFormatting/>
<w:HyphenationZone>21</w:HyphenationZone>
<w:PunctuationKerning/>
<w:ValidateAgainstSchemas/>
<w:SaveIfXMLInvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid>
<w:IgnoreMixedContent>false</w:IgnoreMixedContent>
<w:AlwaysShowPlaceholderText>false</w:AlwaysShowPlaceholderText>
<w:DoNotPromoteQF/>
<w:LidThemeOther>PT-BR</w:LidThemeOther>
<w:LidThemeAsian>X-NONE</w:LidThemeAsian>
<w:LidThemeComplexScript>X-NONE</w:LidThemeComplexScript>
<w:Compatibility>
<w:BreakWrappedTables/>
<w:SnapToGridInCell/>
<w:WrapTextWithPunct/>
<w:UseAsianBreakRules/>
<w:DontGrowAutofit/>
<w:SplitPgBreakAndParaMark/>
<w:EnableOpenTypeKerning/>
<w:DontFlipMirrorIndents/>
<w:OverrideTableStyleHps/>
</w:Compatibility>
<m:mathPr>
<m:mathFont m:val="Cambria Math"/>
<m:brkBin m:val="before"/>
<m:brkBinSub m:val="--"/>
<m:smallFrac m:val="off"/>
<m:dispDef/>
<m:lMargin m:val="0"/>
<m:rMargin m:val="0"/>
<m:defJc m:val="centerGroup"/>
<m:wrapIndent m:val="1440"/>
<m:intLim m:val="subSup"/>
<m:naryLim m:val="undOvr"/>
</m:mathPr></w:WordDocument>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml>
<w:LatentStyles DefLockedState="false" DefUnhideWhenUsed="false"
DefSemiHidden="false" DefQFormat="false" DefPriority="99"
LatentStyleCount="371">
<w:LsdException Locked="false" Priority="0" QFormat="true" Name="Normal"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" QFormat="true" Name="heading 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 7"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 8"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="9" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="heading 9"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 6"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 7"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 8"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index 9"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 7"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 8"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="toc 9"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Normal Indent"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="footnote text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="annotation text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="header"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="footer"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="index heading"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="35" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="caption"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="table of figures"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="envelope address"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="envelope return"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="footnote reference"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="annotation reference"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="line number"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="page number"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="endnote reference"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="endnote text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="table of authorities"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="macro"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="toa heading"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Bullet 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Number 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="10" QFormat="true" Name="Title"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Closing"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Signature"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="1" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="Default Paragraph Font"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text Indent"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="List Continue 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Message Header"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="11" QFormat="true" Name="Subtitle"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Salutation"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Date"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text First Indent"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text First Indent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Note Heading"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text Indent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Body Text Indent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Block Text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Hyperlink"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="FollowedHyperlink"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="22" QFormat="true" Name="Strong"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="20" QFormat="true" Name="Emphasis"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Document Map"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Plain Text"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="E-mail Signature"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Top of Form"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Bottom of Form"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Normal (Web)"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Acronym"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Address"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Cite"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Code"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Definition"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Keyboard"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Preformatted"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Sample"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Typewriter"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="HTML Variable"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Normal Table"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="annotation subject"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="No List"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Outline List 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Outline List 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Outline List 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Simple 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Simple 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Simple 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Classic 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Classic 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Classic 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Classic 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Colorful 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Colorful 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Colorful 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Columns 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 6"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 7"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Grid 8"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 4"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 5"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 6"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 7"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table List 8"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table 3D effects 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table 3D effects 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table 3D effects 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Contemporary"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Elegant"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Professional"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Subtle 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Subtle 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Web 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Web 2"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Web 3"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Balloon Text"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" Name="Table Grid"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" UnhideWhenUsed="true"
Name="Table Theme"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" Name="Placeholder Text"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="1" QFormat="true" Name="No Spacing"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" SemiHidden="true" Name="Revision"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="34" QFormat="true"
Name="List Paragraph"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="29" QFormat="true" Name="Quote"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="30" QFormat="true"
Name="Intense Quote"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="60" Name="Light Shading Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="61" Name="Light List Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="62" Name="Light Grid Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="63" Name="Medium Shading 1 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="64" Name="Medium Shading 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="65" Name="Medium List 1 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="66" Name="Medium List 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="67" Name="Medium Grid 1 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="68" Name="Medium Grid 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="69" Name="Medium Grid 3 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="70" Name="Dark List Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="71" Name="Colorful Shading Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="72" Name="Colorful List Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="73" Name="Colorful Grid Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="19" QFormat="true"
Name="Subtle Emphasis"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="21" QFormat="true"
Name="Intense Emphasis"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="31" QFormat="true"
Name="Subtle Reference"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="32" QFormat="true"
Name="Intense Reference"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="33" QFormat="true" Name="Book Title"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="37" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" Name="Bibliography"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="39" SemiHidden="true"
UnhideWhenUsed="true" QFormat="true" Name="TOC Heading"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="41" Name="Plain Table 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="42" Name="Plain Table 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="43" Name="Plain Table 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="44" Name="Plain Table 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="45" Name="Plain Table 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="40" Name="Grid Table Light"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46" Name="Grid Table 1 Light"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51" Name="Grid Table 6 Colorful"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52" Name="Grid Table 7 Colorful"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="Grid Table 1 Light Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="Grid Table 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="Grid Table 3 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="Grid Table 4 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="Grid Table 5 Dark Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="Grid Table 6 Colorful Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="Grid Table 7 Colorful Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46" Name="List Table 1 Light"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51" Name="List Table 6 Colorful"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52" Name="List Table 7 Colorful"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 1"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 2"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 3"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 4"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 5"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="46"
Name="List Table 1 Light Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="47" Name="List Table 2 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="48" Name="List Table 3 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="49" Name="List Table 4 Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="50" Name="List Table 5 Dark Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="51"
Name="List Table 6 Colorful Accent 6"/>
<w:LsdException Locked="false" Priority="52"
Name="List Table 7 Colorful Accent 6"/>
</w:LatentStyles>
</xml><![endif]--><!--[if gte mso 10]>
<style>
/* Style Definitions */
table.MsoNormalTable
{mso-style-name:"Tabela normal";
mso-tstyle-rowband-size:0;
mso-tstyle-colband-size:0;
mso-style-noshow:yes;
mso-style-priority:99;
mso-style-parent:"";
mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt;
mso-para-margin-top:0cm;
mso-para-margin-right:0cm;
mso-para-margin-bottom:8.0pt;
mso-para-margin-left:0cm;
line-height:107%;
mso-pagination:widow-orphan;
font-size:11.0pt;
font-family:"Calibri","sans-serif";
mso-ascii-font-family:Calibri;
mso-ascii-theme-font:minor-latin;
mso-hansi-font-family:Calibri;
mso-hansi-theme-font:minor-latin;
mso-bidi-font-family:"Times New Roman";
mso-bidi-theme-font:minor-bidi;
mso-fareast-language:EN-US;}
</style>
<![endif]-->Rio de Janeiro, 22 de julho de 2016. Estava em Vila Isabel, no
estacionamento do colégio Nossa Senhora de Lourdes esperando Malu sair da
escola para passarmos o final de semana juntos. Havia um mês que não ficávamos
juntos.<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Após lamentar uma vez mais a
triste, feia e bagunçada paisagem que toma o pé do Morro da Mangueira, comecei
a pensar no peso que lamentos e lamúrias têm sobre meu ânimo e sobre
a condução dos dias, planos e projetos pessoais. Fico preso a este tipo de
pensamento, lamentando por que as coisas não são diferentes nas inúmeras paisagens
que formam o Rio de Janeiro que não é maravilhoso, a cidade esquecida,
abandonada.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Comecei a pensar em não mais
ficar preso a esses pensamentos, pois eles não mudam o resultado final do jogo,
apenas o influenciam negativamente. Lamentos e lamúrias não mudam a realidade,
apenas aprisionam o nosso pensamento em instantes negativos. Eu tinha que
mudar, estava definido. Minha filha saiu de sala. Depois de pegarmos sua mala
em casa, teríamos alguns quilômetros até Seropédica e eu uma ótima chance para verificar o aprendizado.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A lição não foi totalmente internalizada.
Saindo do Rio, peguei-me novamente na armadilha que propícia os pensamentos de
lamento e lamúrias: "Devo ir pela Av. Brasil ou pela Linha Vermelha? Devo pegar a
Av. Brasil direto ou ir pela Nova Dutra? Se for pela Nova Dutra, pista lateral
ou do meio? Qual é a melhor opção para mim ou onde perco menos hoje,
sexta-feira?". Minutos tentando inutilmente jogar com a sorte. Eram 15 horas e preparava-me
para sair de São Cristóvão. Não bastassem impostos e demais taxas, paguei uma
vez mais esta inútil taxa que todos pagam em sua carência por uma cidade
olímpica que, pelo menos, consiga informar seus cidadãos sobre o caminho onde perderão menos.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Optei pela Linha Vermelha e
Rodovia Nova Dutra. Seguiu o trânsito em bom estado até o final da Linha Vermelha,
faltando pouco para chegar à rodovia. "Volume de tráfego, acidente, enguiço,
blitz, tiroteio, o que explicava aquela retenção?", pensei. Pensamentos de lamento e
lamúrias dominaram: “Como podem deixar que essas pessoas vivam dessa maneira e ao
lado da pista expressa?” Quanto sujeira, bagunça, ajudando a enfeiar a paisagem
e afetar ainda mais a autoestima dessas pessoas. “E se afastassem a faixa de
casas mais uns 20 metros e fizessem ciclovia e arborização, dando a eles mais
qualidade de vida?”, continuavam rápidos os pensamentos, enquanto o trânsito fluía bem
devagar .</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Pegar uma linha expressa no Rio é desafiar a ansiedade em um
contexto de poucas opções de mudança de direção. As vias expressas são praticamente
sufocadas pela cidade esquecida, cidade não maravilhosa: há poucas saídas e as que têm não são aconselháveis
de se fazer uso. Não controlei os pensamentos, paguei mais das inúteis taxas, desse pedágio invisível que todo lamuriador paga pela estrada da vida. Lentamente chegamos à rodovia Nova Dutra. “Pego a pista do meio ou a lateral?”,
pensei. Optei pela do meio, aparentemente fluindo. Parei logo a frente. Retenção. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pensamentos, pensamentos e mais
pensamentos, lamentando a escolha pela pista e o triste destino da paisagem de São João do
Meriti, Mesquita e Belford Roxo. Peguei-me novamente pagando taxas
desnecessárias, certificando que não aprendi nada do que realizei horas atrás no
estacionamento do colégio Nossa Senhora de Lourdes.<br />
<br />
Eu sei que preciso mudar, mas engarrafamentos conseguem
afetar-me certeiramente. "Preciso mudar", disse-me uma vez mais.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Cansado, com pouca energia mental para converter em mais taxas
para ser bobo, contemplei Malu, minha linda filha. O trânsito estava parado e estávamos
sem conversar fazia alguns bons minutos. Ela focada no celular, eu na
direção do carro e dos pensamentos e reflexões. Tive ali a grande sacada, o código para viver bem estava claro e fácil de
decifrar: que desperdício de vida em meio a um dos grandes espetáculos de desperdício de vida na
modernidade: pai e filha parados num engarrafamento, calados, sem trocar, sem fazer fluir as energias positivas que os deixariam mais felizes.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mudei a direção do pensamento, comecei a contemplar aquela
criatura de 15 anos totalmente absorta em seu celular. Realizei que, ao invés de
pagar taxas inúteis, o que eu deveria fazer era curtir minha
filha, conversar com ela, aproveitar o pouco tempo que temos para estar
juntos.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Estávamos novamente seguindo juntos por uma estrada da vida.
Fazemos isso há quase treze anos. Nesse exercício prazeroso de pensar, olhei
para o retrovisor e voltei àqueles anos em que ela estaria sentada numa
cadeirinha no banco de trás, sorrindo para mim ou dormindo ou olhando para todos os
lados e perguntando se faltava muito ou se já tinha chegado. Voltei ao tempo em que, alguns anos mais
velha, ela estaria ‘sentada na cadeira do capitão da nave’, dando ordens para
que eu, o atirador, abatesse as naves inimigas em que se transformavam os
caminhões e ônibus a nossa frente. Além de dirigir, eu era um dedicado soldado. Voltei
ao tempo em que ela já tinha idade para ir no banco do carona e ia cuidando das
trilhas musicais das aventuras que sempre foram nossas viagens. Foi ali que aprendemos
a compartilhar a paixão por Beatles e MPB. Era ela quem escolhia o que ouviríamos e pegamos muito mais trânsito livre do que engarrafado.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O tempo passou e estávamos parados na Nova Dutra, em
Mesquita, sem conversar e eu, já chorando, a contemplá-la. Toca Hotel Califórnia,
do Eagles, ela canta inteira e em bom inglês, sem parar de teclar o celular. O
trânsito segue devagar. Minutos depois, ela começa a cantar <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Après</i> <i>un</i> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Revê</i>, em límpido francês,
preparando-se para a aula de canto da semana seguinte. Após receber pelo celular a notícia de um
atentado em Munique, Alemanha, ela volta-se para mim e começa a falar dos
sentimentos que a visitam com as ações do Estado Islâmico, a violência no Rio
de Janeiro e preocupação com a política brasileira e o governo golpista de
Temer, em palavras delas. Em poucos minutos falamos disso tudo. Açodada com o colégio, onde estuda
de 7:10 às 13:30, confessa para pra mim que está preocupada, cansada e com
medo.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Olhei para o carro a minha frente
e realizei: a menina cresceu; Malu está virando uma linda e inteligente mulher,
e tem todos os atributos para se tornar um ser humano interessante e
contribuir para um mundo melhor.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Não posso deixar que ela pague as
taxas, esses pedágios desnecessários que paguei até aqui e que tanto pesaram em minha alegria e respostas aos
desafios da vida. Se não me impediram de ter uma vida muito boa, tal estúpido esforço
fiscal me impediu de torná-la ainda melhor. Ela aprendeu o hábito de ficar
presa em lamentos, em ficar lamuriando, de pensar em como as coisas poderiam ser
diferentes, esquecendo-se de pensar e fazer coisas para mudar o jogo enquanto ele ocorre e para tornar a vida que
ainda temos para viver mais interessante. Parabenizei-a pela maturidade e relevância dos pensamentos, procurei passar para ela uma visão mais
positiva do futuro, de que o tempo dela é diferente do meu e que sua geração tem
mais recursos para fazer as coisas acontecerem. Falei das habilidades e competências
que ela está desenvolvendo e que vão ajudar no seu desafio.<br />
<br />
A conversa mudou de tom, ganhou
outro paladar: minha grande companheira de viagem, a pessoa com quem mais viajei nesta vida, está com quinze anos e tem novos ingredientes a colocar na mistura que nos alimenta pelas estradas e na estrada da vida. </div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Mudar a direção dos meus pensamentos fez toda diferença. Fiz
de tudo para tornar agradáveis nossos parcos momentos. As opções que fiz na
vida fizeram com que eu tivesse menos tempo com ela e, ao invés de lamentar ou desperdiçar
meu tempo com pensamentos que não mudam o resultado final do jogo, eu preciso
pensar e fazer coisas que tornem nossos momentos mais interessantes, ainda que
em engarrafamentos. Pois a vida, sob um ângulo mais prático, não é muito mais
que uma rica coleção de momentos a serem experimentados durante as escolhas que
fazemos de caminhos a percorrer, estradas a seguir.</div>
Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-72375574100193888512016-05-06T21:01:00.000-07:002016-05-07T15:33:58.305-07:00Dia de mães <div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; font-size: small; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">Por mais que eu me
esforce para que não aconteça, os dias que antecedem e procedem o dia das mães
me afetam, mexem com meus sentimentos, tocam com insistência nas portas e
janelas da casinha onde repousam minhas lembranças. Mas não são necessariamente
lembranças pesadas, doídas. Algumas das lembranças que na casinha residem são leves, boas, reconfortantes,
pois marcam contextos de revoluções positivas que ocorreram em
minha vida<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">.</span> <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">R</span>evoluções que surgiram a pa<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">rtir de releituras e <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">reinterpretação voluntárias <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">que fiz d<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">aquilo que a vida me apresentou</span></span></span></span>.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-size: small;"><br /></span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-autospace: none;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; font-size: small; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">De
fato, os temas mãe e
maternidade não estão entre os mais fáceis de serem lidados por nós. No
delicado tecido psíquico, eles ganham espaço para inscrições e
impressões únicas,
bem peculiares, delimitando um território perigoso de ser explorado.
Entretanto,
por várias razões, a minha relação com esses temas e território, além de
densa,
também </span><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; font-size: small; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">tem </span>sua leveza e fluidez, pois é marcada por interessantes
aprendizagens
que tive para produzir e experimentar alegria e bem estar em vida e que
sobressaíram às experiências de dor, desconforto e mal estar que também
me
fizeram visita desde a infância. É com bastante naturalidade que assumo
que qualquer
toque nesses temas e território desperta reação marcada por contradição:
tem dor, lágrimas, mas também alegria, conforto, esperança. </span></span></span></span><br />
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;"><br /></span>
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgROtOXZOrqb3Pl9Udpt9lwzxi7I-HiX77cPeyAW-cBE1N3_JzmIBIoqV5ToZwrO6FidEMook-3EITh9X25W0QM6tPHGKUXkdjAh1m-93yy6EMwYPO1a2Imz9YR9LGwm-fA4hav_QkXC9o/s1600/20160507_005514.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgROtOXZOrqb3Pl9Udpt9lwzxi7I-HiX77cPeyAW-cBE1N3_JzmIBIoqV5ToZwrO6FidEMook-3EITh9X25W0QM6tPHGKUXkdjAh1m-93yy6EMwYPO1a2Imz9YR9LGwm-fA4hav_QkXC9o/s320/20160507_005514.jpg" width="227" /></a><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0daNvM_UL7NaxBv6RDtVDbz3QpeuvkdTHMYFvzfFFbbbZE_sYn-5i2GhvD4kX5Xz1KMgMHlP0xYmRvs2TNPCvV0o4Qx1k3lqvMYvxAk5tunSXU5Nyd3sLHB9Vws5sYxLL3wAigZ2BcQo/s1600/20160507_005617.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg0daNvM_UL7NaxBv6RDtVDbz3QpeuvkdTHMYFvzfFFbbbZE_sYn-5i2GhvD4kX5Xz1KMgMHlP0xYmRvs2TNPCvV0o4Qx1k3lqvMYvxAk5tunSXU5Nyd3sLHB9Vws5sYxLL3wAigZ2BcQo/s320/20160507_005617.jpg" width="227" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
</div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-autospace: none;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<span style="font-family: inherit;"><br /></span>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: , serif;">Neste ano farão 35 anos
que minha mãe faleceu. Tenho poucos registros fotográficos com ela. A sua ausência – se já não é tão dolorida como antes, se
emergiram outras leituras menos densas sobre isso – ainda é lastimada, provoca
desconfortos, ainda incita questionamento fugidios, imaturos na essência, sobre
essa lógica apresentada pela vida de mexer com o que mais nos aprazeria na
tensa e tóxica relação entre encontros e despedidas.</span></span></span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: , serif;">Em verdade, tudo seria melhor se não
houvesse: mudança <span style="font-family: , serif;">na</span> ordem de quem chega ou vai, pressa para partidas, muitas ansiedades nas chegadas ou dores na despedida. Ambas causam
ansiedade, mas a despedida me faz mais mal, ainda me provoca<span style="font-family: , serif;">.</span> <span style="font-family: , serif;">R</span>ecorrendo a uma
imagem, diria que a danada da despedida passa seu lenço de maneira irônica
sobre meu rosto à beira da estação e sai correndo para dentro do trem.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">Falo em ausência e
falecimento, mas um dia questionei-me se não era um ‘distanciamento técnico’ dela
do cenário em que atuamos como mãe e filho. Prefiro ‘distanciamento técnico’ e
o seu uso já revela uma mudança radical na maneira como interpreto essa
realidade complicada que todos tem que enfrentar: o falecimento ou perda de
alguém que muito amamos. </span></span></span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">Um dia essa mudança de interpretação ocorreu em mim:
não posso transformar ou mentir para mim dizendo que algo que foi triste e me
marcou virou algo alegre, mas posso fazer com que os pensamentos relativos a
esse algo não sejam tão sofríveis e negativos e disparem sentimentos de dor e
tristeza. Funcionou bem essa perspectiva de que eu minha mãe nos distanciamos
tecnicamente do cenário onde atuávamos, de que o espetáculo continuava, de que
contracenávamos sim e de outra maneira.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">E tal perspectiva
emerge de outros questionamentos e aprendizagens que tive. Será que ao morrer,
morremos em todos os sentidos? Ou quando morremos, física e biologicamente, imediatamente
ganhamos o status de um signo que, com absurda força de vida, influencia, a uma
‘distância técnica’, a vida dos que conosco relacionam-se em condições de
proximidade única, como mãe e filho(s), pai e filho(s), avós e neto(s)? Signo
este que tem uma distinta posição na memória das pessoas, nesse território
tênue e repleto de inscrições e impressões. Creio que isso tenha acontecido
entre mim e minha mãe: surpreendentemente, ela continuou influenciando a minha
vida e, quando me dei conta disso, experimentei outra revoluções em minha vida.
De fato, ela influenciou-me bastante depois que virou signo central no universo
de significações que geram sentido à minha vida.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">As lembranças com minha
mãe são cada vez mais escassas, mas as dos dias que fiquei sem ela ainda
abundam. Convivi com ela meros 10 anos; sentindo sua falta já estou há 35 anos.
Como eram ruins os dias das mães. Como eu odiava a comemoração deles na escola.
Talvez de modo instintivo ou por influência dela na direção do espetáculo,
realizei que isso tinha que mudar, que eu releria esta data, que eu não podia
tê-la somando-se ao dia de finados e a outras datas esquecíveis para completar
o calendário das minhas tristezas e desesperanças com a vida. Assim emerge
outra releitura, não muito fácil, mas providencial para sobreviver.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">Quando criança eu pouco
sabia e soube da minha mãe. O que eu vivia mesmo era o calor da presença e tudo
o que ela representava, fazia e produzia na maneira como eu experimentava a
vida<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">.</span> <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">A</span> maioria disso foi para o inconsciente. Quando ela ‘distanciou-se
tecnicamente’, o calor se perdeu, a coisa de experimentar a vida deixou de ser
positiva. Eu fui conhecê-la mesmo depois, e por meio dos outros, das narrativas
deles sobre a pessoa que ela era, sobre a vida que levou, sobre o que pensava
fazer na vida e como fez o pouco que a vida lhe deu oportunidade para fazer.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">E que descoberta da
minha mãe eu tive! A criança sentiu falta, <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">o</span> adolescente e o adulto também
sentiram, conforme iam conhecendo a grandeza da mãe que tiveram. Foi dolorida a
materialização do tal ‘distanciamento técnico’, mas foi muito especial entender como
ela influenciou minha vida depois. Conforme eu a conhecia melhor,
algo ia mudando na minha maneira de sentir, pensar e responder à vida. Ter uma
mãe especial foi uma das sortes diferenciadas que tive na vida e que ajudam a
explicar muito das coisas boas que me acontecem ou que fiz acontecer ao ter iniciativa
para produzir a alegria e bem estar que acreditava merecer. <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">Sim, </span>isso não teria
acontecido se eu não tivesse ido até os parentes e conhecidos para que me
falassem dela. Fui às raízes, aproximei-me da minha família, abri-me aos
conhecidos, até porque meu pai ficava sem jeito de falar da minha mãe.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">Este fato interessante influenciou
outra revolução em minha vida. Raramente me lembro de um carinho dela em mim,
mas sempre que estive e estou em apuros lembro-me das histórias que me
contaram de como ela enfrentou o câncer. Numa delas, ainda que doente, sabedora
do que a esperava, e sentindo o peso da doença, ela insistia em ir às aulas no
colégio onde estudava para recuperar o tempo perdido com a infância pobre. Os
professores tinham pena, diziam para não ir, mas ela dizia que ir à aula
era um gesto simbólico para mandar um recado à doença de que o jogo não tinha
acabado. Quando ouvi isso pela primeira vez, eu nasci de novo, vim novamente
para a vida. Sentir isso foi revolucionário em minha vida.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">E isso aconteceu todas
as vezes que tive acesso às crônicas de sua curta, brilhante, dolorida vida de
37 anos. A cada renascimento que experimento, eu subscrevo um acordo tácito que
se estabeleceu entre mim e ela, que basicamente consiste de uma cláusula, como
se ela me dissesse: “<i>Marco, uma vez aqui, descontente com a realidade que vive,
incida sobre ela: sonhe, tente, faça, não desista fácil</i>”. Ou será que ela me
disse isso em alguma instância dos nossos 10 anos de encontro e eu não me
recordo?. E foi isso que ela tentou fazer: incidir sobre a realidade que a
descontentava e criar novas realidades. Bem, não teve jeito, levei isso pra
vida<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">.</span> <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">C</span>ontrato sempre renovado.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">E
como é fascinante e
revolucionária esta perspectiva: entender que minha mãe me pôs no mundo
uma vez,
e que me deu à luz outras vezes. Uma vez de maneira objetiva e todas as
outras vezes
de maneira simbólica; uma vez direto do seu ventre e outras vezes direto
do
ventre figurado que me rodeava e que só senti e descobri sua existência
bem
depois. Aprendi com esta descoberta um novo vié<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">s para</span> o significado de desejar a alguém a
felicidade que ele<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> ou ela</span> conhece e a que ele ou ela nem imagina<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> existir</span>. Esta descoberta,
aliás, foi senha para outra descoberta também
revolucionária e também ligada à figura da mãe, ao exercício da
maternidade.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">Conforme foi
assentando-se o distanciamento técnico da minha mãe do cenário onde atuávamos,
conforme eu me fortalecia para produzir alegria e bem estar, conforme renascia,
eu realizava outra perspectiva interessante: ao perder a minha mãe, eu ganhei
todas as boas mães do mundo. <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">U</span>ma vez exposto aos riscos do
‘distanciamento técnico’, muitas mães me acolheram e me deram atenção,
provendo-me os elementos de alegria e bem estar que eu ainda não sabia produzir
voluntariamente. </span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">Mais: ganhei um senso<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> clar<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">o da experiência maternidade. </span>E</span>u passei a ter mais sensibilidade e consciência para e da experiência da maternidade,
gerando-me habilidade para lidar com as mães do mundo, mas principalmente com as
mães que <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">me tornaram</span> pai. Algumas das situações que afetaram significativamente a experiência
de homem e de pai que tenho atualmente só aconteceram porque fui capaz de me
colocar no lugar das mulheres e das mães com quem contracenei, de submeter os meus
quereres e interesses individuais ao que seria um melhor resultado global. Eu
sempre entendi que o melhor que eu poderia fazer aos meus filhos passava
primeiro por não fazer mal às suas mães. Além de amá-las, elas fizeram-me pai.</span></span></span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">Com o tempo ganhei <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">habilidade para lidar com um dos maiores desafios da minha v<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">ida: </span></span>a naturalização da figura, da presença e do relacionamento com<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> a madrasta.</span> Este senso claro da maternidade <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">contribuiu muito para que eu e Alice <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">experimentássemos</span> uma melhoria significativa na qualidade</span></span> da <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">noss<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">a relação de <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">madrasta</span> e enteado.</span></span></span> <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">E<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">u<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> --</span> e creio que tenha ocorrido com ela também<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> --</span> aprendi a prestigiar <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">muito mais a<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">contribuição d<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">o que nos era possível faz<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">er</span>, do que ficar pautando nosso</span></span>s <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">dias <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">em torno do que não ocorria devido às nossas <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">limitações. E ela fez bastante por mim durante <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">os an<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">os que passaram<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">.</span></span></span></span></span></span></span></span></span></span></span></span></span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"></span></span>Já no momento crítico do
início do ‘distanciamento técnico’, naquela quinta-feira de 17 de setembro de
1981, muitas mães me acudiram. Quando me tiraram do Colégio Fernando Costa e
deixaram-me na casa da tia Ana, ela própria, Darci e Neusa me puseram nos ‘ventres
que seus braços formavam’ enquanto me abraçavam e davam a triste notícia. Eu estava em
berços plenos e seguros naquele momento triste, confuso. </span><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">Como podiam, </span>todas<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> </span>as outras tias e
primas vieram me ac<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">olher</span> nos dias e anos que seguiram: foi assim
que ganhei mães tão especiais nas tias Iris, Maria José, Mariana, Terezinha,
Julinha, Petita, Diná e Cida; foi assim que Irene e Chiquita me recebiam na
casa delas quando meu pai me deixava lá nas férias e nos finais de semana; foi
assim que ganhei uma mãe na tia Beth, em Muriaé, e na dona Tereza, em
Paracambi; foi assim com <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">a madrinha Dorinha que<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> --</span> vendo-me obeso, pequeno, exposto
e frágil<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> --</span> levava-me ao médico para consultas e exames, lutava para me alimentar com
legumes e verduras para que eu vencesse recorrentes problemas no sangue e cuja causa só
conheci bem mais tarde; foi assim que a vó Sebastiana também foi minha mãe; é
assim que Rosângela, por vezes, exerce seu amor de mãe comigo<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">;</span></span><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> f</span>oi assim que tive mães especiais <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">nas</span> tias Naná e Conceição – ah, com elas passei <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">momentos</span> diferenciados,<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> tivemos um grau de <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">l<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">iber<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">dade e conf<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">iança <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">para falar de coisas extremamente sérias <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">sobre nossas vidas</span></span></span></span></span></span></span>.</span></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-autospace: none;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">Especialmente, fui
adotado por outras mães – mães de amigos – que desempenharam papel central em
minhas vidas. Foi assim com a tia Ilza, mãe do Márcio que, em 1983, vendo-me
perdido durante as tardes, levou-me várias vezes para dentro de sua casa para
lá estudar, alimentar e ter supervisão. Foi assim com a tia Severina, mãe do
Betinho, que, vendo meus sérios problemas dentários, acordava de madrugada aos
sábados para marcar lugar na fila do dentista Castanheira e negociava com ele
preços melhores para mim.<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> </span>Ela saia de madrugada, marcava
o dentista, voltava, acordava-me, servia-me café e eu ia cuidar do tratamento.
Fora isso, <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">inúmeras</span> outras vezes comi e dormi em sua casa, inúmeras vezes ela e o 'lar' me
acolheram. </span></span></span></span><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-autospace: none;">
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></span>
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;">Sou muito grato à
experiência com a maternidade. Sou grato à minha mãe, às mães que me acolheram
quando mais precisei, àquelas que subitamente emergiam nas mulheres que me amavam
e às que desesperada e equivocadamente busquei <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">em todas </span>as<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"> mulheres com quem me <span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">relacionei</span></span> -- neste caso, não encontrá-las tornou-me mais forte, ajudou-me a tornar-me homem. </span></span></span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span>
</span><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;"><span style="font-family: inherit;"><span style="font-size: small;"><span style="font-family: inherit;">Há algo a c<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";"><span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">elebrar</span> no meu dia de mães e peço mil desculpas às mães que esqueci de mencionar. Mas sei que elas se sentem representadas quando falo d<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif";">e todas as boas mães do mundo.</span> </span></span></span></span> </span></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; mso-layout-grid-align: none; text-autospace: none;">
<span style="font-family: "sabon-roman" , "serif"; mso-bidi-font-family: Sabon-Roman;"></span></div>
Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-47905151196420199412016-05-04T18:42:00.000-07:002019-02-17T11:58:02.732-08:00A falta que eles fazem<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">UFRRJ, 19 de Fevereiro de 1997, à tarde. Experimentei hoje um momento muito interessante da minha curta existência. Marcou-me por sua originalidade, pelo ineditismo com que fui apresentado a mais uma das incríveis facetas do viver. Hoje, por alguns instantes, por alguns metros, experimentei, e pela primeira vez, uma real e incômoda sensação de estar sozinho no mundo, <span style="font-family: inherit;">a</span>companhada esta de uma terrível sensação de vazio existencial. E<span style="font-family: inherit;">u estava s</span>ozinho e esvaziado.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><br />
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">Estava andando pela UFFRJ, do Prédio principal (P1) para o Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), lendo a cobertura jornalística do falecimento de Darci Ribeiro. Concentrado na leitura, segui meu caminho a passos muito lentos, calmos, enquanto era conduzido, pelo autor da matéria, pelos diversos momentos da vida de uma das personagens mais brilhantes e marcantes da nossa história. Quando comecei havia sol, não ventava. Embora fosse à tarde, fevereiro, havia muita gente transitando pela Rural.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><br />
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">A notícia da morte já me causara um grande vazio. É muito ruim vivenciar perdas, e estas tomam contornos diferenciados quando se trata de pessoas cujos pensamentos, valores, envergadura moral e qualidade do trabalho as torn<span style="font-family: inherit;">a</span>m imprescindíveis para a formação da nossa imagem de cidadão, da maneira como nos vemos e nos definimos. Embora conhecida a gravidade da doença, Darci Ribeiro desapareceu, simplesmente desapareceu. Fica a obra. O conteúdo da reportagem fez aumentar essas incômodas sensações; as palavras sensibilizavam, emocionavam, foram certeiras pela vida e obra de Darci Ribeiro.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><br />
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">Quando lia uma das últimas frases, onde Darci Ribeiro explicava ao médico por quê sairia da UTI, abandonaria o tratamento e iria para casa, aconteceu o que marcaria para sempre este dia. Parei e comecei a refletir sobre o significado da sua explicação, sobre aquela contundente reafirmação da sua vontade de viver, ainda que implicasse na saída do hospital. Ele, paciente terminal, sai do quarto e vai pra vida, troca a paisagem da dor pelo cenário da vida, vai ficar ao lado dos seus e dos elementos que melhor definem o indivíduo que ele encerrou. Uma paradoxal demonstração de amor à vida. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><br />
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">Fechei o jornal, levantei a cabeça e olhei para os lados. Pela primeira vez, aqui na UFRRJ, não encontrei ninguém. Ninguém ia ou vinha pelo caminho entre o P1 e o ICHS; ninguém vinha ou ia pelo caminho entre os alojamentos e o ponto do Colégio Presidente Dutra. Não notei qualquer pessoa que tenha passado por mim. Nada de carros, motos ou bicicletas. O tempo tinha ficado nublado, ventava muito<span style="font-family: inherit;"> -</span> chuva forte <span style="font-family: inherit;">estava </span>a caminho. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;"><br />
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span class="Apple-style-span" style="font-family: inherit;">A caminhada, normalmente rápida, estendeu-se por quase 40 minutos. Eu estava sozinho, momentaneamente esvaziado do lúdico e do lírico que tão nobremente alimentam essa nossa breve caminhada pela vida e que sempre nos chegam por meio dos sonhos, apostas e obras dessas pessoas que são imprescindíveis.</span></div>
Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-3420352724152909842016-03-19T06:22:00.003-07:002016-06-29T06:09:34.352-07:00Um dia na vida19 de março de 2016. Sábado. Acabei de ter outra experiência marcante nesta minha breve e ordinária vida.<br />
<br />
Desde que me acidentei há dias, magoando severamente ligamentos e ossos do tornozelo, hoje foi a primeira vez que fui a pé para minha casa, dado que estava impossibilitado de subir escadas.<br />
<br />
Submeti-me à experiência porque preciso recuperar segurança para agir, mas principalmente para reativar os sensos de autonomia e de não sentir-me ou fazer de mim um estorvo. Se estes sensos ficam significativamente expostos quando você passa a depender parcialmente de outras pessoas, imagino como ficam em casos mais severos.<br />
<br />
É uma experiência e tanta você passar vinte minutos de sua vida observando o terreno onde pisa com a concentração que não lhe é peculiar: eu senti integral e vividamente todas as pisadas que dei hoje, não houve uma como a que dei e que gerou o acidente pois estava com a atenção voltada para o mundo. Hoje eu vasculhei o terreno onde pisaria para observar contextos, objetos e desníveis que pudessem gerar um tropeção ou escorregão e repetir o episódio de dor e recomeçar o ciclo da dependência.<br />
<br />
Eu praticamente dialoguei com o terreno onde escolhi para viver e pisar, uma conversa séria e franca entre mim, ele e todos os objetos que nele repousam e que ilustram a realidade social que experimentamos diariamente: a sinalização e divisão de poder, o sentido de igualdade e fraternidade que temos e exercemos, a relação com o consumo e o descarte de mercadorias, enfim, a cidade conforme ela é pensada e produzida pelo poder público para você provar diariamente.<br />
<br />
Eu tive a chance de cair após tropeçar em latas de bebidas, calçadas e quebra-molas irregulares, caixas de alimentos e produtos químicos e escorregar em chorume e restos de sacolas de lixo à espera da limpeza urbana, mas que antes foram visitadas por cães e gatos.<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgl2VyHplhxcFNmf1E_xwrHaHhJiU-p7eBlZlx5KXirrl4W9RIqWpFmZNauksWjwePhBwoVrzDElH09hBbkjoOndYuzyeedBQq9wb9Z6m6E82cVEz3Ip9xsUltyeF1iFRon2l0TynM_IE8/s1600/rua+ina+1.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgl2VyHplhxcFNmf1E_xwrHaHhJiU-p7eBlZlx5KXirrl4W9RIqWpFmZNauksWjwePhBwoVrzDElH09hBbkjoOndYuzyeedBQq9wb9Z6m6E82cVEz3Ip9xsUltyeF1iFRon2l0TynM_IE8/s320/rua+ina+1.jpg" width="180" /></a></div>
<br />
<br />
Eu experimentei por meros vinte minutos os desejos e angústias daqueles que tem seu potencial de mobilidade totalmente ceifado, e que dependem não de maneira parcial, mas estruturalmente de pessoas próximas. Experimentei a angústia daqueles que dependem de uma sociedade que consiga fazer com que o seu terreno e a maneira de agir dos cidadãos permitam que todo e qualquer cidadão possa se apropriar desse terreno e conduzir sua vida, que possa se sentir seguro e com os sensos essenciais dignamente ativados.<br />
<br />
Lento como nunca estive, mas como sei que à frente estarei dado que envelheço, discuti hoje com meios-fios insolentes e indiferentes, com blocos de concretos postos por moradores para afugentar carros que estacionam, com carros que estacionam e tomam as calçadas e afugentam pessoas. Discuti hoje com pessoas, mas com muitas pessoas mesmo.<br />
<br />
Sobre as pessoas, como é interessante sentir a diversidade de energia que brota dos olhares: tem aquele olhar de pena, tem o da indiferença (ou mera alegria disfarçada em cara de paisagem), tem o do estímulo, tem o da ironia, e tem aqueles que sempre comunicam coisas sem sentido, mas que não deixam de cumprimentar. Fiquei curioso para saber das pessoas o que meus olhares normalmente comunicam para elas para poder sintonizá-los com a produção de uma vida melhor para todos nós. O que meu olhar comunicava hoje para elas?<br />
<br />
Mas tem algo muito mais interessante do que os olhares: a reação dos motoristas ao incauto e manco que, não tendo calçada, ousa ir pela via atrapalhando as flanadas matinais em seus possantes veículos. Teve um motorista que, podendo virar o volante e diminuir o meu experimentar de uma angústia, me forçou subir numa calçada de meros 40 cm de altura, não refrescou em nada para mim e fez cara de "você está no meu terreno, saia". Teve um que ensaiou o mesmo, mas, ao me reconhecer, parou e demonstrou empatia. Sim, fosse outra pessoa, ele não pararia, continuaria a demonstrar toscamente as linhas que informam o território partido. Teve o cachorro solto na rua que, embora alimentado, fez sua ameaça -- é imanente nele esse lidar com a coisa do território, lamentável é saber que estamos muito parecidos com ele.<br />
<br />
Também muito importante: como é pequeno o número de pessoas que querem estender o braço e dizer: vamos nessa, estamos juntos. A mesma sensação que tive quando me acidentei numa rua da Tijuca e apenas duas pessoas falaram comigo: uma que estava ao meu lado e pegou gelo para pronto atendimento e outra que passou, me viu no chão e, sem parar, disse: "meu irmão, abrace sua mochila porque vão tentar roubar".<br />
<br />
Ainda mais importante: é imperativo que, experimentando as dificuldades dos que muito precisam e pouco tem, não deixemos que uma breve experiência de angústia obstrua o reconhecimento do auspicioso de nossa vida e caminhada, e que mudemos nossas atitudes em relação à situação daqueles que menos auspícios vivenciam.<br />
<br />
Foram vinte minutos de mais um dia na vida, de outro e bem diferente dia na minha breve e ordinária vida, mas que é o resumo da maioria ou de todos os dias de muitas pessoas.<br />
<br />
É uma experiência marcante que preciso internalizar com sabedoria. Sim, eu poderia ter aprendido pela observação: tal espetáculo está aí todos os dias, não é mesmo? Mas teve que ser assim, pois não seria de maneira diferente que eu exporia os caprichos do meu egoísmo, vaidade e narcisismo à necessidade de negociarmos seriamente quem e o que deve informar como será o restante dessa minha breve e ordinária vida.<br />
<br />
Vida que no que ela tem de ordinária, é muito mais auspiciosa do que a da grande maioria das pessoas dessa e de outras cidades.<br />
<br />
Caminhei para ver a paisagem da foto abaixo, para novamente sentir a lufada de vento que diariamente comunica o auspicioso que experimento na quase totalidade das minhas passagens por esse território. Estava com saudade. Sim, contemplar é parte do auspicioso desse minha caminhada. Agradecer e mudar de atitude também devem ser.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUhfeVi7IGcd9WKgMTJL-UkV1v4pOslT8ClIasX-oVvHSfuBG5q5JY6Eruu5gEauEOMf30tWkGPmiX1qemajENRDKfG73t4EmpA-fWFT456isbobg_PEy6RZC96sd_9UpZcegrKb5-ilo/s1600/paisagem+de+casa+hoje.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUhfeVi7IGcd9WKgMTJL-UkV1v4pOslT8ClIasX-oVvHSfuBG5q5JY6Eruu5gEauEOMf30tWkGPmiX1qemajENRDKfG73t4EmpA-fWFT456isbobg_PEy6RZC96sd_9UpZcegrKb5-ilo/s320/paisagem+de+casa+hoje.jpg" width="320" /></a></div>
<br />Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4937271755673063360.post-67852618267880951452015-09-04T19:55:00.005-07:002021-12-24T09:03:51.864-08:00A melhor escola do mundo<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Muriaé, 13 de agosto de 2015. No dia
12, decidi começar por Muriaé o que chamei de ‘Necessário retorno às origens da
minha origem’, que consistia basicamente em visitas às cidades onde meus pais
nasceram, Muriaé e Pedro Teixeira. Nessas viagens, além de visitar meus primos
e amigos, solicito que falem da vida que meus pais e demais familiares tiveram,
do que faziam e de como eram na infância e na juventude; procuro obter
informação para ler e entender fatos e contextos que explicam as trajetórias
que meus familiares construíram em vida. Trajetórias que, com raras exceções,
são dignas de leituras bem detalhadas para obter boas aprendizagens sobre como
lidar com a vida e seus desafios. <o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">A vida deles não foi fácil e ela foi
a escola que tiveram, ao contrário de nós, segunda e terceira gerações, que
tiveram e têm acesso às melhores escolas do sistema educacional. Não conheci
meus avôs paternos e tive pouco contato com minhas avós maternas. Meus
familiares não deixaram documentos, não registravam suas façanhas, todo esse
patrimônio histórico familiar, tudo o que se sabe está no depoimento e na
memória de algumas pessoas que estão envelhecidas, lutando contra o pouco
apreço do tempo para com as palavras sem registros. Toda prosa que traz a vida
dessas pessoas à mesa, que conta suas aventuras e desventuras, é para mim o
tempero especial de um delicioso banquete.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Outra coisa que gosto de fazer em
Muriaé e em Pedro Teixeira é andar pelas ruas para apreciar as transformações
nas construções e nos hábitos dos moradores. A privilegiada condição de
observador, ainda que suspeitíssima nos dias atuais, permite acessar situações
repletas da rica substância oriunda da mistura de ambiguidades, tensões,
contradições, esperanças, apostas e temores experimentados pelas pessoas quando
lidam com contextos de mudanças – as que promovem e das quais são apenas meros
expectadores. Essas cidades, ainda que em ritmos bem diferentes, estão mudando.
Ando bem devagar por elas, registro o que vejo e sigo comparando com os
registros anteriores, formando um quadro particular e bastante subjetivo de
análise e avaliação dessas mudanças.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Hoje, aproveitando carona do primo
Fábio Gonçalves, comecei a andança pela praça João Pinheiro. Gosto de olhar
para as construções antigas que ainda sobrevivem e ficar imaginando onde o trem
passava e como era a rotina da cidade atualmente adoecida pela quantidade de
carro transitando. Também andei pelo comércio em busca de promoções, de
produtos que, ainda que fora da moda, atendem perfeitamente às minhas
necessidades atemporais.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Decidido a fazer logo as visitas aos
parentes, saí da praça, peguei a rua Arthur Bernardes e fui seguindo em direção
à Barra, bairro onde moram alguns parentes. Dei uma parada quase que
obrigatória para ver os colégios Santa Marcelina e São Paulo. Gerações de
Murieenses se formaram nesses colégios, entre eles muitos primos. Uma lembrança
que tenho das minhas idas à Muriaé era o cuidado que minhas tias tinham com o
ano escolar dos seus filhos. O ritual mexia demais comigo, pois da compra do
material escolar e a preparação dos uniformes, passando pelo encapar os
cadernos e livros, tudo era feito com muito calor, capricho, envolvimento,
coisa com a qual não pude mais contar com a partida de minha mãe.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Quando passava em frente à praça da
antiga prefeitura, parei para apreciar a construção. Rapidamente me dei conta
de que estava de costas para o belo prédio da biblioteca da cidade. “Preciso
visitar uns livros”. Ironicamente, no início da semana, pensei em criar uma
campanha de incentivo à leitura nas redes sociais e cujo tema era ‘Visite um
livro’ e realizado que eu próprio não tenho destinado às obras e aos seus
criadores o tempo e atenção que merecem. Mais irônico ainda era ser aquela
importante biblioteca uma ilustre desconhecida para mim. Para marcar ainda mais
o momento, nos primeiros passos dei de cara com uma exposição sobre Pedro Nava.
Há pouco tempo, conversando sobre meu desejo de ser escritor e lamentar a idade
que tenho, Césas Froes, colega de trabalho, me lembrou sobre Pedro Nava e falou
que não há idade certa para transformar inquietude e estranhamento em
literatura. Pedro Nava é outro ilustre desconhecido para mim e, conforme lia os
cartazes, realizava que o tanto que desconheço dele revela apenas pequenos
detalhes do tamanho do meu desconhecimento e ignorância em relação à literatura
brasileira.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 107%;"><span style="font-family: inherit;">Ao sair da biblioteca, me deparei com
um livro para registrar presenças. Preparava o registro da minha presença e me deparei
com uma situação que está entre as mais marcantes da minha breve existência. A
pessoa que assinou antes de mim deu uma demonstração sábia, simples e ao mesmo
tempo forte do valor dessa que é a melhor escola do mundo: a vida. Em uma
coluna que praticamente obriga ao assinante dizer a escola a que pertence, ele
escreveu ‘VIDA’. Lamentável a gerência da biblioteca ter a necessidade de
colocar uma coluna chamada ‘Escola’, não dando chance ao visitante que não é
estudante de poder registrar mais sobre ele, a razão da presença e a qualidade
da experiência que ali teve. É um livro que foca nos estudantes do sistema
formal, cobrando que informem o nome da escola que frequentam, como se só eles
fossem lá, como se ali fosse exclusividade desse tipo de aprendiz; não é um
livro que se abre para registrar a presença e experiência de todos aprendizes
que ali visitam. <o:p></o:p></span></span></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="background: white; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxkuflTYx38jeVWw_v4aY37pMzPNqYPPlaSC4cI-L_2ySvtqdjoSuyXHY8ZMYfEk0mPPv30Rnzs_NZRWtuJdAckqQ-_jfzdDQilW_mBRT5EDWAdPjs-nht9s6n7RMlL-4gQWoD2xeNzWE/s1600/WP_20150813_09_23_49_Pro.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: inherit;"><img border="0" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxkuflTYx38jeVWw_v4aY37pMzPNqYPPlaSC4cI-L_2ySvtqdjoSuyXHY8ZMYfEk0mPPv30Rnzs_NZRWtuJdAckqQ-_jfzdDQilW_mBRT5EDWAdPjs-nht9s6n7RMlL-4gQWoD2xeNzWE/s400/WP_20150813_09_23_49_Pro.jpg" width="400" /></span></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 17.12px;"><span style="font-family: inherit;">Esta pessoa, que assina Hélio M F, 55 anos, deu, e com muita elegância, uma resposta à esdruxula sensação vivida pelo visitante que não é estudante ou não estudou, mas que é aprendiz, ou que, sendo de fora da cidade, não vê sentido em colocar o nome da escola onde tenha estudado. Na coluna escola, Hélio M F colocou um retumbante ‘VIDA’, a escola onde certamente se formou e da qual não tem vergonha alguma para demonstrar o pertencimento. Falei com o atendente se ele tinha visto aquela obra de arte e logo fui informado de que Hélio sempre faz aquilo. Infelizmente, apesar de conhecida a situação, a gerência da biblioteca não faz nada. Ele registrou que o motivo era leitura. Eu, atônito, registrei curiosidade, quando deveria ter colocado ‘aprender’. <o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 17.12px;"><span style="font-family: inherit;">Não sei se Hélio faz aquilo para provocar ou reclamar de fato. Entretanto, como a gerência da biblioteca não aprimora a maneira como registra frequentadores e suas metas, não faz um retorno necessário às origens de sua origem, Hélio insiste em lembrar que os alunos da Escola da VIDA, independentemente de suas origens, também visitam os livros.<o:p></o:p></span></span></p><p align="center" class="MsoNormal" style="background: white; text-align: center;"><span style="font-family: inherit;"><span style="color: #333333; font-size: 12pt; line-height: 17.12px;"> </span><span style="background-color: transparent; text-align: start;"> </span></span></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHeSb8O40O6sZlqXQcV2dcPCVsFOhc_PMW-RS9OaFnUOiOb-Ht0QmT4CmbCfcAOaEnrMhgkwW4W6wuLg3WYDUc81DRRXGChyphenhyphenvho7n7M-2VYiatbXdM3uE-R1QXjW_oXCQ_eYBBiksKm80/s1600/WP_20150813_09_24_38_Pro.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><span style="font-family: inherit;"><img border="0" height="112" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhHeSb8O40O6sZlqXQcV2dcPCVsFOhc_PMW-RS9OaFnUOiOb-Ht0QmT4CmbCfcAOaEnrMhgkwW4W6wuLg3WYDUc81DRRXGChyphenhyphenvho7n7M-2VYiatbXdM3uE-R1QXjW_oXCQ_eYBBiksKm80/s200/WP_20150813_09_24_38_Pro.jpg" width="200" /></span></a></div>
Marco Bauhaushttp://www.blogger.com/profile/13113898019049368943noreply@blogger.com2