Usando linguagem que me é peculiar, e tentando relacionar a
escolha profissional com o desafio de edificar uma trajetória de vida digna,
ofereço uma leitura desses 20 anos de formado em Administração.
Há 20 anos administrador formado,
43 anos de idade, mas ainda em processo de consolidação para desempenhar decentemente
as atribuições dessa carreira e função. Ser um bom tomador
de decisões ou um grande estrategista, por exemplo. Em uma dessas atribuições preciso e muito melhorar o desempenho: gerir o complexo de atributos
cognitivos, culturais e emocionais que todo grupo encerra.
Todos os dias acordo e durmo com
a sensação e a certeza de que ainda tenho muito a aprender. Porque é imanente à função
de gestão que todo bom gestor desenvolve e protege os ativos ou principais recursos de uma organização, evitando uma gestão temerária. Como desenvolver e proteger ativos sem conhecimento? Gerenciando aprende-se muito, principalmente que
não existem ganhos sem que se incorra em custos e sacrifícios.
Não tenho mais os 19 anos de
quando deixei o Colégio Técnico da Universidade Rural (CTUR) para entrar na UFRRJ e ainda assim continua extremamente delicado
pensar na gestão dos ativos que podem constituir ou fazer parte da trajetória
de uma pessoa por esta vida.
Olhando com cuidado, vemos que
uma vida implica, com o passar do tempo, num misterioso e desafiador processo
de transformação de ativos extremamente delicados (sentimentos,
valores, atitudes, comportamentos e sonhos) em ativos não menos delicados, como conhecimento técnico e profissional,
sabedoria, reputação, redes relacionais e patrimônio material ou ser
economicamente ativo.
Entendo que envelhecer seja isso: transformar sonhos
e sentimentos – o que temos de maior valor na juventude – em todos os outros
ativos sequenciais, até chegar à fase em que constatamos que tudo o que temos,
de fato, é sabedoria, lembranças e saudade. Ativos estes que ainda podem ser
corroídos pela inexorável dinâmica da realidade biológica quepor vezes nos traz,
antes do perecimento absoluto, o esquecimento total.
Admitidas algumas exceções, passamos
boa parte desse processo de envelhecer alavancados, isto é, dependendo e muito dos imperiosos
aportes que só os outros podem prover. Quando jovens, temos muitos sonhos e
sentimentos, mas quase nada dos outros ativos, dependendo bastante das constantes
negociações de tempo e espaço inerentes ao que nomeamos "busca por oportunidades (ou seria aquisição de crédito?)". Quando amadurecidos, ainda que tenhamos sido felizes ou muito tristes, estudados ou não, que sejamos ou não capazes de ensinar ao outro, temos sim bastante
sabedoria, toda ela devidamente tatuada no que brejeiramente chamamos “lombo”. Ao final, todos os créditos que amealhamos são imobilizados no "lombo".
Aos 43 anos, levo comigo a
certeza de que sei muito pouco, o que por
vezes me assusta, dada a frenética produção de conhecimento. Mas isso não me
desanima, pois se há o muito que não sei, não existe o que eu não possa saber. O sopro de vida para manter-se aprendendo é outro ativo que devemos proteger.
Os títulos que amealhei, se por vezes afagam o ego e garantem alguma liquidez, na maioria das vezes não me são uteis – nem deveriam ser – para lidar com o constante desafio de gerenciar os ativos imanentes à trajetória. Há uma fase da vida em que o título que lhe confere bom acesso a crédito não é o de doutor, mas o de confiável, de bom pagador.
A profissão de professor, esta sim, uma grande provedora de momentos felizes. Mas sou um mero professor, um dos que, num semestre desses da vida e numa disciplina específica, cruza a trajetória de muitos outros administradores.
Os títulos que amealhei, se por vezes afagam o ego e garantem alguma liquidez, na maioria das vezes não me são uteis – nem deveriam ser – para lidar com o constante desafio de gerenciar os ativos imanentes à trajetória. Há uma fase da vida em que o título que lhe confere bom acesso a crédito não é o de doutor, mas o de confiável, de bom pagador.
A profissão de professor, esta sim, uma grande provedora de momentos felizes. Mas sou um mero professor, um dos que, num semestre desses da vida e numa disciplina específica, cruza a trajetória de muitos outros administradores.
Aos trancos e barrancos,
tentativas e erros, aproveito a dádiva de ter a rede relacional – formada de amigos,
colegas e parentes – que me deu suporte nesta vida. Se não fossem essas
pessoas, eu não teria cumprido o pouco que andei. O que tenho de material, aprendo,
não é motivo de orgulho, e, se é para ter orgulho, que seja da saudabilidade e
vigor transformador dessa rede relacional. Orgulho-me de tê-los por perto e a eles
muito admiro, pois continuam fazendo muito.
Apesar dos meros 43 anos, por vezes a sabedoria dá sinais do seu processo de consolidação. Por exemplo, às
vezes surpreendo-me com algumas soluções que apresento para problemas que me
criam ou que eu mesmo crio para mim e com os desafios que coloco-me para
encarar os dias que chegam. Sim, é sim sinal de alguma sabedoria sendo
tatuada no lombo. É o que tenho a dizer sobre alguns sorrisos que trago estampados no
rosto em situações em que outrora estaria chorando ou amarrando uma cara de
assustar. O feedback que recebo de minha filha, Maria Luiza, é o melhor certificado
dessa consolidação, e com ele protejo a riqueza que é esse amor que sentimos um
pelo outro.
Lá atrás, em 1988, quando entrei
no CTUR, queria ter logo uma profissão para ser independente do meu pai.
Enquanto estudante, conheci a área de marketing e comecei a sonhar intensamente
em ser profissional de marketing ou de propaganda. Fui para o curso de Administração
pensando em ser um executivo de marketing. Inclusive escrevi num diário que eu jamais seria professor. Sim, gastei nessa escrita muitos dos créditos que temos para dizer
coisas sem se preocupar com o impacto do que estamos dizendo sobre nossas próprias vidas.
Cheguei à UFRRJ com muitos
sonhos, mas com algum dinheiro e conhecimento que amealhei no ultimo ano do
CTUR, quando vendi algumas coisas da horta escolar e, junto com um primo,
comecei a vender peixe em Seropédica. Fiz um concurso público e tornei-me servidor
de nível de apoio da UFRRJ. Formei-me Administrador sem muitos sustos, pois tinha
uma reserva.
A semana que culminou no dia 24
de setembro de 1994 foi intensa e desafiadora. Eu era puro amor e sonhos, os caros
e delicados ativos intangíveis que eu tanto sentia. No dia 23 de setembro, na
rua onde morava, fui surpreendido pelo pedido de noivado mais espetacular que
experimentei. A aliança nos dedos intensificava a conexão entre os sonhos de ser
executivo de marketing e o desafio de ir morar em BH. Na formatura, lembro-me,
apesar das apreensões com o futuro, eu era um homem experimentando gostosa e
verdadeira alegria. Passaram-se vinte anos.
Os vinte anos culminaram num
administrador, professor de marketing, pai, irmão, colega de trabalho, amigo,
cidadão, em busca da edificação de uma trajetória de vida digna. Foi-se o executivo, mas a arte do possível fez-me professor. Aqui estou, 43 anos, cada vez mais
atento à responsabilidade de continuamente transformar e proteger ativos ou,
lido de outra maneira, de esmerar-me para que seja o menos oneroso possível a
meu corpo e minha alma transformar sonho e sentimento em alguma sabedoria.
Portanto, se há algo que eu possa dizer para alguém, a título de conselho ou advertência, é: proteja seus sonhos. O desafio de protegê-los vai dar um toque a mais de sabor à sabedoria que lentamente vamos acumulando.
Portanto, se há algo que eu possa dizer para alguém, a título de conselho ou advertência, é: proteja seus sonhos. O desafio de protegê-los vai dar um toque a mais de sabor à sabedoria que lentamente vamos acumulando.
Marco Souza
24-9-1994 --> 24-9-2014
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