“A vida é uma escola”, ouvi há bastante tempo. Eu que já tinha lá minhas diferenças com a escola formal, fiquei ainda mais
assustado. “Se aqui na escola está assim, imagine quando eu sair daqui para
enfrentar a vida”. Diziam-me para estudar e ser alguém na vida e isso me era
assustador.
Àquela época também me diziam que só havia uma vida. Era ‘vai ou
racha’, ‘tudo ou nada’, ‘aqui se faz aqui se paga’. Também tinha uma apavorante,
mais ou menos assim: ‘aprende agora, se não é o mundo quem vai te ensinar, e sai
mais caro, às vezes pagamos com a própria vida’. Que horror ouvir aquilo. A coisa era difícil
de ser apreendida, pois tinha escola, mundo e vida e toda aprendizagem tinha
que caber na mesma embalagem, numa mesma vida e eu não sabia se daria conta.
Durante algum tempo achei que foi a escola que não me ofereceu
oportunidades e experiências que ajudassem a ter uma compreensão mais
consistente sobre o que era a vida e o mundo; depois é que entendi que eu é que
não tinha consistência para entender o que a escola me mostrou sobre o que eram
a vida e o mundo.
Sobre o tempo ou a passagem dele, na escola eu só lidei em Física – quando
sofria para entender que o tempo tinha relação com a velocidade e a
distância –, em Língua Portuguesa – quando esclareciam sobre os
tempos verbais – e no campo – quando ensinavam sobre o
preparo do solo, escolha e plantio da semente ou da muda e sobre tratos
culturais e colheita. Não tive laboratório para aprender sobre o tempo de ou numa
reação química. Mundo era Geografia, vida era Biologia.
Recentemente, ao ler meu diário de 1996 – ano que
batizei como ‘o que demoraria para acabar’ – tive uma demonstração de como
passei onerosamente pela vida, de quanto desperdicei, de energia mental e
física, para lidar com os desafios da embalagem única. É um diário de quase 600
páginas onde demonstro uma ansiedade louca para lidar com o tempo, querendo
acelerar coisas para chegar logo ao ‘próximo prato’, mas sem viver plenamente o
que tinha para comer no ‘prato à minha frente’. Após a leitura, decidido, disse
a mim mesmo: “Relaxa, vá devagar, dê tempo ao tempo. É hora de ser sábio e saiba
que você está envelhecendo”.
Hoje, quando saia de casa e fechava o portão, tinha à frente
dois vizinhos, dois senhores de idade, experientes, que conversavam alto e
anunciavam que iam à feira. Pensei: “Que legal, esses já fizeram suas vidas,
cumpriram seus compromissos; são escolados, senhores do seu tempo e agora
caminham tranquilos para fazer a feira”. Comecei a acompanhá-los, tentando
ouvir a conversa, mas ainda estava bem distante.
Quando chegou no primeiro cruzamento, eles pegavam à esquerda e
seguia direto. Vi que eles pararam e começaram a gesticular um para o outro.
Quando cheguei mais perto, um deles olhou para mim e disse:
─ Tô falando para andar mais rápido e ele diz que a feira não
vai sair do lugar. Humm, quem não tem pressa é porque não precisa chegar a
lugar algum.
O outro senhor, contrariado com a fala do amigo, virou para mim
e disse:
─ E quem disse que pressa é garantia de chegar a algum lugar? O
que você acha que devo dizer para esse velho chato e apressado?
Surpreso com o que me mostravam ‘os dois professores’ cheios de
vida e mundo em suas costas, logo relacionei a situação com o que tenho pensado
sobre como vivi e vivo. Esbocei um sorriso amarelo e caí no lugar comum,
poderia ser mais profundo:
─ É, tem que negociar direitinho as vontades de vocês aí.
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