segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Tempo e Liberdade

Rio de Janeiro, Rocha, noite, 13 de abril de 2006. Tenho estado pensativo sobre o envelhecimento. Algo não muito difícil de entender após o aniversário de trinta e cinco anos, mas que não se explica apenas por isso: o tempo passa e se anuncia de várias maneiras, reivindicando a condição de dono da situação. Ao explorar o tema com mais afinco, vejo que eu e ele sempre estivemos muito próximos, mas nossa proximidade nunca recebeu tanta ênfase. Por exemplo, um dia intui que empresas são reestruturadas, marcas são rejuvenescidas, pessoas envelhecem e morrem, mas não avancei na inquietude que gera essa intuição ou que é gerada por ela. O tempo está aí.

Mas a atual devoção ao tema tem um intuito: desenvolver e consolidar uma perspectiva mais estruturada sobre envelhecimento, banindo, automaticamente, leituras simplificadoras. Estas não podem mais continuar. Envelheço. Apesar de ser só 35 anos, o envelhecimento é uma realidade sentida, vivida por mim, não é mais um conceito ou realidade constada ao olhar o próximo.

Admito que ainda não me sinto muito à vontade para falar de maneira consistente sobre a vida – tenho medo e me sinto ignorante – mas sei que não aceito nem suporto mais leituras muito óbvias e superficiais sobre essa viagem que fazemos através dessa explosão biológica que individualmente encerramos. A vida é uma explosão biológica que me assusta conformo me conscientizo da sua dimensão ou alcance.

Reflito sobre o significado do envelhecimento, seus sinais e consequências, assim como procuro relacioná-lo com as diversas partes da minha vida. Penso nas consequências da passagem do tempo sobre minha pessoa, nos planos corporal, intelectual e espiritual. As marcas dessa passagem se manifestavam de forma isolada, agora tudo se encaixa ou mostra sua inexorável complementaridade. Alguns dos meus últimos, vacilante e infrequentes escritos trazem essas marcas. Tenho falado de precaução, contenção, saudade, esquecimento, desencanto e prudência, mas de forma contundente. Falo muito pouco sobre revoluções, sonhos, planos para criar novas realidades e a importância de correr riscos. É como se não tivesse trinta e cinco anos.

Também escrevo sobre meus estranhamentos com a vida: as coisas relativas ao viver ainda não estão como dadas para mim, totalmente decodificadas. Ainda tem muitos pontos de interrogação acenando para mim na prateleira das reflexões. Minha adaptação a tudo o que a vida encerra e representa não se dá sem momentos de angústia, ainda que novas leituras apareçam, à medida que envelheço e possa haver uma amenização nas interpretações. Lamentavelmente, são leituras menos apaixonadas, pouco carregadas de tesão e emoção inquietantes e peculiares a uma explosão. Às vezes, penso que aqueles que algum dia lerem o que tenho escrito não farão transformação alguma em suas vidas. Mas também penso que não atentarão contra as próprias vidas, pois, ao meu jeito, mostro que o prazer sobressai às angustias. Sobre o prazer, acrescento que o que mais me dói é a perspectiva de que sua maior e melhor ocorrência venham de fora dos espaços que formam minha dimensão lar. O prazer na sua expressão mais ampla.

Também não tenho feito leituras do envelhecimento relacionadas à liberdade. Estranho, pois sempre me pareceu muito sensata a ideia de que envelhecer era se libertar de coisas, medos, certezas e sentimentos que remetem à posse e percepções que nos dão uma falsa leitura do que realmente podemos nessa vida. É interessante, pois pareço estar menos aflito, mais ponderado e mais ligado ao experimentar as coisas que tenho e não em ter novas coisas para experimentar. É um sentimento que tem um grito tão forte quanto o tempo, e que toma mais propriedade quando lembro que empresas e marcas existem em dimensões virtuais e que elas valem mais quanto mais velhas ficam. O tempo vai passar e logo serei um registro livre. 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Sobre revoltas e sonhos

Rio de Janeiro, Rocha, noite, 18 de agosto de 2004. Não sei o que me deixa mais incomodado: a diversidade de caminhos que percorri até aqui ou a avassaladora quantidade de dicas de caminhos a seguir que vêm do meu interior.

Como sempre as dúvidas abundam em minha vida, mas agora com os detalhes de quem já passou dos trinta anos. Estou com trinta e três. As dúvidas são motivadas por razões diferentes daquelas de dezesseis anos atrás. Não tenho mais a agilidade e a audácia de um jovem de 18 anos. Continuo me sentindo espremido no mundo, mas não saio à rua à procura de uma surpresa. Também não me angustia a ausência de recursos para poder fazer as escolhas mais básicas, como era antigamente. Pressiona-me, sim, um mal-estar de quem acabou de escutar um tiroteio perto da favela da Mangueira que durou quase uma hora.

Estou assustado e incomodado no bairro do Rocha, escrevendo na cozinha do apartamento. Felizmente, ouço a MEC AM, como faço há dezesseis anos. Não me estranha chegar à constatação de que estou escrevendo na cozinha, já o fiz antes em outras cozinhas e essa não é uma das menores que tive para morar. Incomoda-me o fato dela parecer uma prisão. Assim que me sinto: prisioneiro no bairro do Rocha. Logo eu que sempre prezei o significado e o valor da liberdade e que aos dezessete anos a elegi como prioridade. Entender o significado de estar aqui e passar por isso é o que me leva a escrever. Isso aqui é muito diferente do que quis para mim e do que me lembram diariamente minhas reflexões.

Pela manhã, recebi um sinal interessante, daqueles que lá no fundo você acha que é um recado do destino. Peguei um caderno antigo para estudar e na primeira folha estava escrito, “Nunca teríamos nos revoltados, se não tivéssemos sonhado”, frase que o desconhecido dono do caderno credita a Ben Bella e a quem minha ignorância não permite reconhecer.

Engraçado é que pareço não estar me reconhecendo agora. Confesso não estar nada satisfeito com essa situação: me sentindo prisioneiro no Rocha e solitário em casa, ainda que em seu quarto durma minha filha, e que na sala assista televisão minha esposa. Estou fazendo o que gosto, escrever, mas não estou na casa e na cidade que desejo para mim. Desejo estar numa serra, longe dessa loucura urbana. Também não estou sentindo a presença das Minas Gerais, sentimento que diariamente se faz presente pelas músicas, notícias e leituras que faço e, principalmente, pelas lembranças que tenho de situações que vivi. Não estou rodeado de pessoas felizes e cantantes, na cozinha grande, comemorando as benções da vida, contando os casos das aventuras dessa longa trajetória. Casa e cozinha de janelas que, ao serem abertas, trouxessem o mundo para dentro. Não estou com meus filhos, como sempre quis que assim fossem, filhos, nem carrego no olhar a chama de quem está amando. Não tenho a sensação de que estou vivendo, mas a de que estou levando a vida, e, o que é pior, levando-a com a sensação de que aqui nunca teria chegado se não tivesse deixado de acreditar e de procurar o que sonhava.