terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Sobre revoltas e sonhos

Rio de Janeiro, Rocha, noite, 18 de agosto de 2004. Não sei o que me deixa mais incomodado: a diversidade de caminhos que percorri até aqui ou a avassaladora quantidade de dicas de caminhos a seguir que vêm do meu interior.

Como sempre as dúvidas abundam em minha vida, mas agora com os detalhes de quem já passou dos trinta anos. Estou com trinta e três. As dúvidas são motivadas por razões diferentes daquelas de dezesseis anos atrás. Não tenho mais a agilidade e a audácia de um jovem de 18 anos. Continuo me sentindo espremido no mundo, mas não saio à rua à procura de uma surpresa. Também não me angustia a ausência de recursos para poder fazer as escolhas mais básicas, como era antigamente. Pressiona-me, sim, um mal-estar de quem acabou de escutar um tiroteio perto da favela da Mangueira que durou quase uma hora.

Estou assustado e incomodado no bairro do Rocha, escrevendo na cozinha do apartamento. Felizmente, ouço a MEC AM, como faço há dezesseis anos. Não me estranha chegar à constatação de que estou escrevendo na cozinha, já o fiz antes em outras cozinhas e essa não é uma das menores que tive para morar. Incomoda-me o fato dela parecer uma prisão. Assim que me sinto: prisioneiro no bairro do Rocha. Logo eu que sempre prezei o significado e o valor da liberdade e que aos dezessete anos a elegi como prioridade. Entender o significado de estar aqui e passar por isso é o que me leva a escrever. Isso aqui é muito diferente do que quis para mim e do que me lembram diariamente minhas reflexões.

Pela manhã, recebi um sinal interessante, daqueles que lá no fundo você acha que é um recado do destino. Peguei um caderno antigo para estudar e na primeira folha estava escrito, “Nunca teríamos nos revoltados, se não tivéssemos sonhado”, frase que o desconhecido dono do caderno credita a Ben Bella e a quem minha ignorância não permite reconhecer.

Engraçado é que pareço não estar me reconhecendo agora. Confesso não estar nada satisfeito com essa situação: me sentindo prisioneiro no Rocha e solitário em casa, ainda que em seu quarto durma minha filha, e que na sala assista televisão minha esposa. Estou fazendo o que gosto, escrever, mas não estou na casa e na cidade que desejo para mim. Desejo estar numa serra, longe dessa loucura urbana. Também não estou sentindo a presença das Minas Gerais, sentimento que diariamente se faz presente pelas músicas, notícias e leituras que faço e, principalmente, pelas lembranças que tenho de situações que vivi. Não estou rodeado de pessoas felizes e cantantes, na cozinha grande, comemorando as benções da vida, contando os casos das aventuras dessa longa trajetória. Casa e cozinha de janelas que, ao serem abertas, trouxessem o mundo para dentro. Não estou com meus filhos, como sempre quis que assim fossem, filhos, nem carrego no olhar a chama de quem está amando. Não tenho a sensação de que estou vivendo, mas a de que estou levando a vida, e, o que é pior, levando-a com a sensação de que aqui nunca teria chegado se não tivesse deixado de acreditar e de procurar o que sonhava.

3 comentários:

  1. Pensando bem, o tempo é mesmo o senhor.
    Pois você me parece bem mais feliz hoje em dia.

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  2. Pois é, a liberdade não está la fora, mas dentro. Essa ninguém tira.
    Ouvi um musiquinha que canta assim:
    "Nowhere to go but deep inside"

    É isso aí amigão.

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