domingo, 25 de setembro de 2011

Dos riscos de acelerar as águas do rio

Vila Isabel, 24 de setembro de 2011, noite. Estudo matemática com Maria Luiza, uma rotina que se repete por apuros e não para confirmação de um percurso natural na formação de um estudante. Aula extra às que tem com professor particular. No sexto ano do ensino fundamental, onze anos recém completados, ela periga não mudar de série, ainda que tenha todo potencial de raciocínio lógico e matemático a ser explorado. Suas notas não avançam e os resultados mostram os efeitos drásticos da desatenção, falta de concentração, ansiedade e de um comportamento particular de não dar o braço a torcer quando alguém aponta que ela está equivocada.

A dinâmica do nosso momento hoje revela, caprichosamente, os problemas a serem enfrentados. Frente a um exercício de medição de área de uma superfície, ela não consegue fazer uma conversão de medidas. Paralisa. Abaixa a cabeça. Pergunto-a sobre o conceito: “quando ele foi estudado? Em que aula havia sido dado?”. Ela mexe no caderno pra trás e pra frente, numa busca tão desorganizada quanto inútil. Pego o livro, localizo a lição, datada e com exercício feito. Ela senta no chão, dobra os joelhos junto ao peito e fala: “queria que o ano estivesse começando de novo. Ano passado eu era desatenta, desorganizada, fazia tudo do mesmo jeito que faço, e dava certo. Esse ano não está dando certo. Está tudo muito rápido. Eu não sei o que está acontecendo”.

Penso nos detalhes de uma dinâmica de sala de aula que, distante, nem meu coração alcança. Calmamente deixo a mesa, deito junto aos seus pés, seguro suas mão e digo: “pronto, filha, chegamos a uma das respostas de que tanto precisamos para vencer esse desafio: você sabe matemática, apenas tem que mudar seu jeito de estudar. Pare de resistir a necessidade de mudança de comportamento. Você precisa mudar, aprender um novo jeito de fazer as coisas. Que tal tentar, a partir de agora, prestar mais atenção na aula, deixar as pessoas lhe ajudarem, e lutar para fazer bonito nesse restinho do ano? Não dá para voltar atrás. É para o futuro que devemos olhar”. A minha frente estava a mesma menina que, aos cinco anos, pedia aos pais para ir para um colégio para poder aprender a ler. Naquela época, pedia que lêssemos todos os outdoors, cartazes, letreiros, capas de revistas; dizia que queria aprender a ler. Levantei e deixei que ela se recompusesse e ditasse o ritmo do estudo.

Imediatamente lembrei-me dos pedidos da dona da creche onde ela estudava, em 2005, para que não acelerássemos a alfabetização. Nesta fase da vida, um ano faz muita diferença, dizia ela aos pais, vaidosos e otimistas com o desejo da filha de ler. Lembrei-me também dos dizeres de Brechet, presentes em uma placa que li há bastante tempo. Ensinava a placa que das águas bravas de um rio que, ao passar, tudo arrastava, muito se falava, mas nunca se falava das margens que comprimiam este rio.

Aceleramos as água do rio quando não havia quaisquer margens comprimindo-as. Então, conforme diminuem as margens a cada ano que passa, a cada cobrança de uma nova série, anseia minha filha por voltar o tempo. Ela não dá conta da situação. Erramos. Desde que um rio nasce, as águas não param, não retornam a nascente, seguem seu curso até desaguar em outro rio ou em um mar. É como a criança: cresce, deságua em um adolescente, que deságua em um jovem, que deságua em um adulto, que deságua em um idoso e que, por sua vez, deságua em um mar. Fica o aprendizado: como pais, devemos respeitar a topografia do leito, isto é, da vida e de seus percalços, e proporcionar as margens que acolhem as águas plácidas. Uma pequena contribuição para criar crianças saudáveis que desaguem em cidadãos saudáveis.

2 comentários:

  1. Olá Marco...
    Parabéns pela capacidade de reflexão, pelo domínio das palavras... e muito obrigado pela generosidade em compartilhar o que a vida lhe ensinou.

    Um abraço,

    Marcos Pinto.

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  2. Fala Bauhaus...
    Espero ver aqui a crônica do empurrar com as duas mãos!

    Um abraço,

    Marcos Pinto.

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