Muriaé, 13 de agosto de 2015. No dia
12, decidi começar por Muriaé o que chamei de ‘Necessário retorno às origens da
minha origem’, que consistia basicamente em visitas às cidades onde meus pais
nasceram, Muriaé e Pedro Teixeira. Nessas viagens, além de visitar meus primos
e amigos, solicito que falem da vida que meus pais e demais familiares tiveram,
do que faziam e de como eram na infância e na juventude; procuro obter
informação para ler e entender fatos e contextos que explicam as trajetórias
que meus familiares construíram em vida. Trajetórias que, com raras exceções,
são dignas de leituras bem detalhadas para obter boas aprendizagens sobre como
lidar com a vida e seus desafios.
A vida deles não foi fácil e ela foi
a escola que tiveram, ao contrário de nós, segunda e terceira gerações, que
tiveram e têm acesso às melhores escolas do sistema educacional. Não conheci
meus avôs paternos e tive pouco contato com minhas avós maternas. Meus
familiares não deixaram documentos, não registravam suas façanhas, todo esse
patrimônio histórico familiar, tudo o que se sabe está no depoimento e na
memória de algumas pessoas que estão envelhecidas, lutando contra o pouco
apreço do tempo para com as palavras sem registros. Toda prosa que traz a vida
dessas pessoas à mesa, que conta suas aventuras e desventuras, é para mim o
tempero especial de um delicioso banquete.
Outra coisa que gosto de fazer em
Muriaé e em Pedro Teixeira é andar pelas ruas para apreciar as transformações
nas construções e nos hábitos dos moradores. A privilegiada condição de
observador, ainda que suspeitíssima nos dias atuais, permite acessar situações
repletas da rica substância oriunda da mistura de ambiguidades, tensões,
contradições, esperanças, apostas e temores experimentados pelas pessoas quando
lidam com contextos de mudanças – as que promovem e das quais são apenas meros
expectadores. Essas cidades, ainda que em ritmos bem diferentes, estão mudando.
Ando bem devagar por elas, registro o que vejo e sigo comparando com os
registros anteriores, formando um quadro particular e bastante subjetivo de
análise e avaliação dessas mudanças.
Hoje, aproveitando carona do primo
Fábio Gonçalves, comecei a andança pela praça João Pinheiro. Gosto de olhar
para as construções antigas que ainda sobrevivem e ficar imaginando onde o trem
passava e como era a rotina da cidade atualmente adoecida pela quantidade de
carro transitando. Também andei pelo comércio em busca de promoções, de
produtos que, ainda que fora da moda, atendem perfeitamente às minhas
necessidades atemporais.
Decidido a fazer logo as visitas aos
parentes, saí da praça, peguei a rua Arthur Bernardes e fui seguindo em direção
à Barra, bairro onde moram alguns parentes. Dei uma parada quase que
obrigatória para ver os colégios Santa Marcelina e São Paulo. Gerações de
Murieenses se formaram nesses colégios, entre eles muitos primos. Uma lembrança
que tenho das minhas idas à Muriaé era o cuidado que minhas tias tinham com o
ano escolar dos seus filhos. O ritual mexia demais comigo, pois da compra do
material escolar e a preparação dos uniformes, passando pelo encapar os
cadernos e livros, tudo era feito com muito calor, capricho, envolvimento,
coisa com a qual não pude mais contar com a partida de minha mãe.
Quando passava em frente à praça da
antiga prefeitura, parei para apreciar a construção. Rapidamente me dei conta
de que estava de costas para o belo prédio da biblioteca da cidade. “Preciso
visitar uns livros”. Ironicamente, no início da semana, pensei em criar uma
campanha de incentivo à leitura nas redes sociais e cujo tema era ‘Visite um
livro’ e realizado que eu próprio não tenho destinado às obras e aos seus
criadores o tempo e atenção que merecem. Mais irônico ainda era ser aquela
importante biblioteca uma ilustre desconhecida para mim. Para marcar ainda mais
o momento, nos primeiros passos dei de cara com uma exposição sobre Pedro Nava.
Há pouco tempo, conversando sobre meu desejo de ser escritor e lamentar a idade
que tenho, Césas Froes, colega de trabalho, me lembrou sobre Pedro Nava e falou
que não há idade certa para transformar inquietude e estranhamento em
literatura. Pedro Nava é outro ilustre desconhecido para mim e, conforme lia os
cartazes, realizava que o tanto que desconheço dele revela apenas pequenos
detalhes do tamanho do meu desconhecimento e ignorância em relação à literatura
brasileira.
Ao sair da biblioteca, me deparei com
um livro para registrar presenças. Preparava o registro da minha presença e me deparei
com uma situação que está entre as mais marcantes da minha breve existência. A
pessoa que assinou antes de mim deu uma demonstração sábia, simples e ao mesmo
tempo forte do valor dessa que é a melhor escola do mundo: a vida. Em uma
coluna que praticamente obriga ao assinante dizer a escola a que pertence, ele
escreveu ‘VIDA’. Lamentável a gerência da biblioteca ter a necessidade de
colocar uma coluna chamada ‘Escola’, não dando chance ao visitante que não é
estudante de poder registrar mais sobre ele, a razão da presença e a qualidade
da experiência que ali teve. É um livro que foca nos estudantes do sistema
formal, cobrando que informem o nome da escola que frequentam, como se só eles
fossem lá, como se ali fosse exclusividade desse tipo de aprendiz; não é um
livro que se abre para registrar a presença e experiência de todos aprendizes
que ali visitam.
Esta pessoa, que assina Hélio M F, 55 anos, deu, e com muita elegância, uma resposta à esdruxula sensação vivida pelo visitante que não é estudante ou não estudou, mas que é aprendiz, ou que, sendo de fora da cidade, não vê sentido em colocar o nome da escola onde tenha estudado. Na coluna escola, Hélio M F colocou um retumbante ‘VIDA’, a escola onde certamente se formou e da qual não tem vergonha alguma para demonstrar o pertencimento. Falei com o atendente se ele tinha visto aquela obra de arte e logo fui informado de que Hélio sempre faz aquilo. Infelizmente, apesar de conhecida a situação, a gerência da biblioteca não faz nada. Ele registrou que o motivo era leitura. Eu, atônito, registrei curiosidade, quando deveria ter colocado ‘aprender’.
Não sei se Hélio faz aquilo para provocar ou reclamar de fato. Entretanto, como a gerência da biblioteca não aprimora a maneira como registra frequentadores e suas metas, não faz um retorno necessário às origens de sua origem, Hélio insiste em lembrar que os alunos da Escola da VIDA, independentemente de suas origens, também visitam os livros.