Na manhã de 4 de maio de 2009,
sábado, participei de um dos momentos mais hilários, sensíveis e educativos de
minha vida.
Nesse dia, tive o prazer de assistir
a dignidade humana responder ao empobrecimento da vida que se dá por meio da
repetição e banalização de atos brutos e grossos.
Dirigia para Paracambi quando o
motorista de um ônibus não parou no ponto para pegar um senhor negro e idoso que
solicitava parada. Apesar dos gestos desesperados dele, que ainda correu
acreditando que o ônibus pararia mais à frente, o motorista não parou.
Indignado, parei e perguntei o destino dele. Respondeu que era Paracambi e não
pensou duas vezes para aceitar a carona e entrar. Dar carona para ele se tornou
uma questão de honra, ainda que não nos conhecêssemos.
Ele se chamava Sebastião José de
Souza, peão de obra aposentado, oriundo da cidade Porto Novo do Cunha. Veio
parar em Seropédica por ocasião da obra da represa da Light, em Piraí, fixando
residência no bairro Cabral, onde plantava mandioca. Um idoso com aparência
saudável, marcha segura, postura ereta, sem dificuldades aparentes. Vestia-se
sobriamente: calça, camisa e sapatos sociais. Figura fácil para conversar. Para
lhe deixar seguro, me apresentei como professor da UFRuralRJ.
Àquela altura, o objetivo da carona era
vingar o Sr. Sebastião, deixado daquela maneira em um ponto de ônibus por um
motorista jovem, alguém que certamente será um futuro idoso e que dependerá da
gratuidade e dos ônibus para desenvolver suas atividades. Conforme nos
aproximávamos do ônibus, planejei emparelhar, buzinar, abrir o vidro e
apresentar ao motorista a figura daquele senhor que abandonou no ponto minutos
antes.
Eu entendia que era uma maneira de
sinalizar para o desumano motorista que sua ação tosca, a banalização de um ato
de desmerecimento de um cidadão, não passaria em branco. Também pensei que se
houvesse nele qualquer sentimento de estar levando vantagem em relação àquele
idoso, ele não a teria levado, pelo contrário, teria perdido e feio.
Emparelhamos com o ônibus e sugeri ao
senhor Sebastião um ato mais ousado, uma obscenidade. Fui veemente no meu
desejo de vingança e a quem estava submetido. Ele fez a de quem entendeu minha
mensagem e pôs a cara para fora do meu carro. Para minha surpresa, ao invés de
fazer o gesto obsceno que demonstrei, ele dava um sorridente tchau para o algoz
dele. Voltou à posição normal de carona e, sorrindo para
mim, disse: “Mostramos o que ele merecia”. Senhor Sebastião estava
vingado.
Minutos depois, chegamos a Paracambi e ele finalizou nosso encontro dizendo: “Onde o Sr. parar está bom para mim. Cheguei onde queria e vim de maneira diferente: vim de carona com um Doutor! Obrigado. Precisando de mim é só procurar pelo Sebastião Jose de Souza, lá no Cabral”.
A vida surpreende. É sempre gratificante quando as lições vem do inesperado. Bela crônica!
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