domingo, 23 de janeiro de 2011

A carona ao Sr. Sebastião

Na manhã de 4 de maio de 2009, sábado, participei de um dos momentos mais hilários, sensíveis e educativos de minha vida.

Nesse dia, tive o prazer de assistir a dignidade humana responder ao empobrecimento da vida que se dá por meio da repetição e banalização de atos brutos e grossos.

Dirigia para Paracambi quando o motorista de um ônibus não parou no ponto para pegar um senhor negro e idoso que solicitava parada. Apesar dos gestos desesperados dele, que ainda correu acreditando que o ônibus pararia mais à frente, o motorista não parou. Indignado, parei e perguntei o destino dele. Respondeu que era Paracambi e não pensou duas vezes para aceitar a carona e entrar. Dar carona para ele se tornou uma questão de honra, ainda que não nos conhecêssemos.

Ele se chamava Sebastião José de Souza, peão de obra aposentado, oriundo da cidade Porto Novo do Cunha. Veio parar em Seropédica por ocasião da obra da represa da Light, em Piraí, fixando residência no bairro Cabral, onde plantava mandioca. Um idoso com aparência saudável, marcha segura, postura ereta, sem dificuldades aparentes. Vestia-se sobriamente: calça, camisa e sapatos sociais. Figura fácil para conversar. Para lhe deixar seguro, me apresentei como professor da UFRuralRJ.

Àquela altura, o objetivo da carona era vingar o Sr. Sebastião, deixado daquela maneira em um ponto de ônibus por um motorista jovem, alguém que certamente será um futuro idoso e que dependerá da gratuidade e dos ônibus para desenvolver suas atividades. Conforme nos aproximávamos do ônibus, planejei emparelhar, buzinar, abrir o vidro e apresentar ao motorista a figura daquele senhor que abandonou no ponto minutos antes.

Eu entendia que era uma maneira de sinalizar para o desumano motorista que sua ação tosca, a banalização de um ato de desmerecimento de um cidadão, não passaria em branco. Também pensei que se houvesse nele qualquer sentimento de estar levando vantagem em relação àquele idoso, ele não a teria levado, pelo contrário, teria perdido e feio. 

Emparelhamos com o ônibus e sugeri ao senhor Sebastião um ato mais ousado, uma obscenidade. Fui veemente no meu desejo de vingança e a quem estava submetido. Ele fez a de quem entendeu minha mensagem e pôs a cara para fora do meu carro. Para minha surpresa, ao invés de fazer o gesto obsceno que demonstrei, ele dava um sorridente tchau para o algoz dele. Voltou à posição normal de carona e, sorrindo para mim, disse: “Mostramos o que ele merecia”. Senhor Sebastião estava vingado.

Minutos depois, chegamos a Paracambi e ele finalizou nosso encontro dizendo: “Onde o Sr. parar está bom para mim. Cheguei onde queria e vim de maneira diferente: vim de carona com um Doutor! Obrigado. Precisando de mim é só procurar pelo Sebastião Jose de Souza, lá no Cabral”.

Um comentário:

  1. A vida surpreende. É sempre gratificante quando as lições vem do inesperado. Bela crônica!

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